Poesia na Alma 10/02/2018
um pecado necessário
A coleção Plenos Pecados, Editora Objetiva, é composta de sete livros, cada um traz um pecado capital. Aqui no blog, já resenhamos A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro Canoas, sobre a Luxúria. Canoas e Marolas, de João Gilberto Noll, 105 páginas, retrata a Preguiça. A escolha de preguiça para leitura foi por pura identificação ao tema, até poderia me chamar Preguiça sem o ônus do rótulo. O livro traz de um homem que procura a filha, Marta, já adulta, grávida e estudante de medicina.
“Eu poderia voltar ali todas as noites, não estivesse naquela cidade para conhecer minha filha, mulher feita que nunca me vira antes. E que morava na ilha. Uma estudante de medicina. Filha de uma enfermeira com quem, parece, tive uns encontros logo depois que a conheci, internado num hospital, por atropelamento.”
Uma pequena ilha, um rio, uma pousada simples, um jovem do sono que se parece índio e talvez seja surdo, uma filha que não se sabe se é a filha ou a mãe, e um homem, João, que silencia, são os símbolos que compõe a obra.
“(...) no peito a suspeita de que podia ser ainda mais silencioso.”
Esses símbolos expressam a poemática que emerge o espectro da preguiça numa dança entorpecente com o leitor. Se João é silêncio nada mais justo que o jovem sono seja surdo, assim limitam-se ao não falar e o não ouvir. A lentidão e a indolência, característica da preguiça, é a aversão aos padrões e a dor, no entanto, essa dor encontra-se em estado de materialização pelo vazio de sua existência.
“Sou um herói sim e não vou morrer (...). Repito, já que minha alma é repetir: sei que não deveria falar, sei que deveria calar. Ué, queriam que eu ficasse à margem do rio cantando a grandeza sem par do verbo? Queriam que eu deixasse exposto o nervo do silêncio e ali encostasse para provar que dói o centro nervoso do silêncio, é isso? E falar não dói? Dizer responder revolver perquirir avançar recuar não dói? O que não dói para você eu acho é este estado meio anestesiado furtivo invisível em que me encontro nesse ponto da estrada, isso é que não dói para você. Pois não dói mesmo. Aqui a dor dói é de não doer entende?”
João, após o nascimento do neto, e o jovem do sono vagam num ônibus até chegarem a costa de mar grosso e um novo símbolo surge, um velho, quase surdo e quase cego, já nessa trajetória final, há três representações arquetípica do animus. O jovem, o adulto e o idoso. ‘Do pó vim e ao pó voltarei’, João vivencia todos os estágios da preguiça como uma dança sedutora e (i)mortal, pungente a necessidade humana, resgatando um elo perdido.
As poucas páginas de Canoas e Marolas não torna a leitura rápida, além de também ser uma excelente simbologia. Como dito anteriormente, o leitor dança com a preguiça durante o processo dialógico da leitura, no meu caso, tive a mais forte das ressecas literária. João Gilberto Noll tornou Canoas e Marolas orgânico e um pecado necessário.
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