Rita Zerbinatti 13/06/2013Canoas e Marolas Eu acredito que pra tudo na vida há um tempo certo. Ao menos comigo funciona assim. Nossas futilidades e importâncias do dia-a-dia vão se construindo. Existem coisas que eu detestava, e agora gosto. Existem coisas que eu amava e agora não me importo.Com tudo vamos aprendendo, com cada coisinha, com cada momento. Sei que se eu tivesse lido esse livro em outra época da minha vida, talvez não teria apreciado tanto.
Ganhei essa belezinha faz pouco tempo, Canoas e Marolas do João Gilberto Noll. Um escritor gaúcho prestigiado pela crítica. Li. E não é que gostei.
O livro faz parte de uma série sobre os pecados capitais e nesse volume se encontra a Preguiça. Não que eu esteja preguiçosa com tudo, mas tenho uma tendência à preguiça quando estou aqui, sozinha. Normalmente não quero nada com nada. Quando saio do ambiente de trabalho, estudo, etc, a única coisa que quero é ficar sozinha, relaxar, pensar em nada, ler, ouvir algum disco... sabe, dessas coisas? Gosto desse ambiente solitário e com ar de sonho quase esquecido. O livro inteiro é um sonho quase esquecido. Você acorda, sabe que sonhou tanto mas ... não se lembra bem. Tenta relembrar, entender, mas aquilo te escapa. É isso que senti lendo esse livro. Uma imensidão e um nada à minha frente, me encarando.
Gostei do estilo de escrita do Noll, suave e envolvente. Não me deixou com grandes expectativas ao longo da narrativa mas creio que isso resultou em algo bom, afinal. Não tem de haver expectativas, não tem de haver entendimento. Só contemplação. Há uma tentativa de comparar a vida real com esse sonho perdido. O personagem não nos atrai, é um ser neutro, como você mesmo num sonho. Sabemos que não sou eu, nem você ali, mas poderia ser, porque não?
"Esta insuficiência em se fazer carne, mantendo o pensamento ocupado de si mesmo, e nesse afã mental impossível desgarrar-se para uma flutuação que só conhece alívio ao produzir um tipo estranho de sono: aquele que não gera descanso, levando o usuário a parasitar numa espécie de elefantíase da imaginação." (pg. 75)
A questão da preguiça é bem abordada o tempo inteiro. Uma leveza, um ritmo de marolas, uma canoa a navegar sem rumo no mar. Eu estou nesse ritmo, por isso admirei cada parágrafo, me deixei levar pela marola calma. Entretanto, no meio desse sonho todo, desse devaneio, se arranca um pedaço de realidade, de sentimento e poesia.
"Eu vivia inflamado de uma espécie de raciocínio heroico, imperioso, destrutivo, isso é que era verdade. Passava o tempo todo pensando dentro de uma constelação preciosa e purulenta de signos, e aquilo começava a me dar náuseas, começava a sangrar. Eu sim era um homem vago, impreciso(...) Eu sim tinha me cansado de tudo, eu sim era a falta em vida." (pg. 74)
Além disso tudo o livro contém ilustrações graciosas que de certa forma te ajudam a entrar nesse ritmo lento, e a formatação e diagramação é tão tão confortável!
Enfim, espero que esse texto seja um convite a leitura desse livrinho simples e poético, sobre um estado de letargia que te deixa assim meio perdido a procurar algo em que se apoiar.
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