Carla Brandão 26/06/2016Em Cartas de amor aos mortos, Ava Dellaira apresenta-nos Laurel. Junto com todas as experiências típicas da adolescência, como o início do ensino médio, paqueras e farras com os amigos, a menina precisa lidar com a morte da irmã mais velha. Há pouco menos de um ano, May, a menina linda, descolada, que ela admirava mais que tudo e que a protegia do mundo partiu, deixando Laurel perdida. Diante da morte da filha, a mãe muda-se para outro estado e o pai tornou-se mais fechado. Numa tentativa de se afastar ainda mais do ocorrido, Laurel prefere cursar o ensino médio em outra escola, onde acredita que conseguirá manter-se distante de perguntas sobre sua irmã.
Em uma das primeiras tarefas da nova escola, a professora de inglês pede para que os alunos escrevam uma carta para alguém que já morreu. O primeiro destinatário escolhido por Laurel é Kurt Cobain, ídolo de sua irmã e que também tornou-se seu. A carta, porém, acaba resultando em um intenso desabafo e Laurel não tem coragem de entregá-la. A partir daí, a menina passa meses escrevendo cartas em seu caderno para outras personalidades já falecidas, como uma espécie de diário. A amizade com Natalie e Hannah, a paixão por Sky, a saudade que sente da mãe, sua relação com o pai... Tudo é descrito por ela nas cartas.
Laurel não foi uma protagonista que me cativou. Ela passou a vida colocando a irmã mais velha em um pedestal, como um ideal a ser alcançado. Quando May morre, Laurel não sabe bem quem ela mesma é. Muitos de seus ídolos são os de sua irmã e até as roupas de May ela veste. O mesmo comportamento se repete quando ela faz amizades na nova escola: se os amigos fumam, ela fuma; se os amigos bebem, ela bebe.
As cartas foram outra coisa que me decepcionaram um pouco no início da leitura, mas que fizeram sentido depois de ler o livro todo. Eu imaginava as cartas mais direcionadas aos destinatários e não como descrições da rotina de Laurel. Conforme fui lendo, porém, percebi como elas tiveram uma função no processo de luto da menina. Com a família desestruturada e amigos que não sabem de sua história, é nas cartas que Laurel consegue falar abertamente sobre o que está sentindo. A partir daí, ela vai pouco a pouco amadurecendo, aprendendo a lidar com seus sentimentos e medos e a aceitar tudo o que aconteceu no passado.
A escolha dos destinatários das cartas não foi aleatória. Quando começa a ser possível para Laurel escrever claramente sobre as circunstâncias da morte de May, o diálogo com as personalidades passa a ser muito intenso. Cada uma delas se relaciona de alguma maneira com o que ela estava sentindo e passando. Quando escreve para eles a respeito de suas mortes, é como se quisesse dizer tudo aquilo para sua irmã.
Perder alguém com quem se tem uma relação tão forte é uma das experiências mais difíceis. Da dor sem tamanho até o momento da aceitação, cada um percorre um caminho diferente. Quando quem você é se confunde com a pessoa que morreu, esse caminho pode ser ainda mais longo. Laurel inicialmente escolheu percorrer seu caminho em silêncio, mas descobriu que dores compartilhadas - com os vivos ou com os mortos - tornam-se bem mais suportáveis.
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