Che 31/12/2017
DIAMANTE EM DEDO DE PORCO
Cada vez mais inacreditável como os apreciadores da nona arte ficam 'encantadinhos' com mini-séries que não passam de catálogos de referências a 200 super-heróis (e mais 200 super-vilões), sem apresentar absolutamente nada de novo, arrojado ou pelo menos memorável no roteiro. Já tinha notado esse mesmo problema, por exemplo, com "Os Supremos 2", outra HQ que peca por querer enfiar tudo quanto é personagem de segundo e terceiro escalão num arco de edições que, apesar de relativamente extenso (em "Justiça", são doze), não tem como dar conta de desenvolver minimamente o 'over' de heróis retratados.
O mesmo problema enfrentei quando li "Crise nas Infinitas Terras", que pra quem não for PhD em tudo quanto é personagem de importância secundária e até terciária da Era de Bronze da DC, vai soar um amontoado de referências vazias, caóticas e desprovidas de maior impacto. O que dá algum nível tanto para "Crise", quanto para "Supremos 2" e finalmente "Justiça", afinal de contas, é o mesmo mérito: a beleza da arte visual, que neste caso ficou por conta do sempre ótimo Alex Ross (de "Reino do Amanhã" e "Marvels").
A arte suntuosa e caprichadíssima de Ross, um detalhista inveterado, segue sendo aquele carinho aos olhos que sempre foi. Algumas artes de página dupla são 'embasbacantes' de tão belas, como já é de praxe no autor até em suas HQs de roteiro mais insosso, como "Os Maiores Super-Heróis do Mundo", que parecia cartilha da UNICEF ensinando a criançada a 'não fazer malcriação'.
O roteiro de "Justiça", assinado por Jim Krueger em parceria com o próprio Ross, no início não chega a ser ruim. Parte de uma premissa até boa, relacionada ao fato dos super-heróis sempre resolverem problemas no varejo e jamais no atacado, ou seja, como é que alguém como o Super Homem não pode reduzir drasticamente problemas de fome, miséria e etc em grande escala? Preferem, ele e os demais da Liga da Justiça, ficar enxugando gelo e detendo criminosos que sempre escapam e tornam a dar trabalho, portanto no fim das contas meio que vão, apesar do esforço e das boas intenções, do nada a lugar algum. Até chegar ao ponto em que - surpresa! - os próprios vilões decidem, numa reviravolta inesperada, dar conta dessa lacuna social na qual os heróis falharam, eles mesmos livrando o povo da miséria e das doenças.
Pena que essa premissa inicial muito boa vai sendo esvaziada quanto mais o enredo avança, principalmente porque há uma necessidade 'nérdica' compulsiva de ficar tentando dar - obviamente sem sucesso - um pretenso 'espaço igual' para toda a infinidade de heróis da Liga na narrativa. Fatalmente vários deles foram imensamente prejudicados por essa tentativa de ceder lugar pra todo mundo e fazem apenas figuração de luxo, incluindo alguns de importância grande na DC, como o Flash. E vai ficando ainda mais difícil quando Krueger e Ross tentam enfiar nessa salada de superpoderosos também os (muuuuitos) vilões. Não era mais prático centrar atenção nos que realmente eram essenciais para a trama central, ou seja, Brainiac e Luthor?
No final, "Justiça" encerra esse questionamento sobre a omissão dos heróis em assuntos sociais de massas de modo bastante frouxo e covarde, com direito a linhas como "a adversidade deve ser aceita como parte da vida humana". Ah, fala sério! Que apologia do conformismo! Certeza que quem escreveu uma frase alienada e conformista dessas nunca enfrentou problemas tipo fome, frio e etc, não é mesmo? "Adversidade sadia" no rabo dos pobres é refresco. Lendo uma frase dessas, bateu foi saudade do Superman de "Entre a Foice e o Martelo", o qual foi na direção radicalmente oposta ao daqui e chamou pra si a responsabilidade de buscar o bem-estar social da humanidade como um todo!
Apesar do mal humor que esse roteiro clichê, além de perdido em mil personagens, me deixou, vou encerrar lembrando novamente que a leitura de "Justiça" ainda acaba valendo a pena. Quer dizer, a leitura não, o vislumbre: se lida a história não é grande coisa, por outro lado não dá negar que o desenho é belíssimo. Pena que está à serviço de uma trama tão batida e, principalmente, covarde. "Justiça" é algo como um anel de diamante (o desenho de Ross) no dedo de um porco (o roteiro manjado e conformista). Que desperdício!