Euflauzino 27/02/2014Os fantasmas contidos na alma humanaResenhar um livro de contos é sempre tarefa árdua, beirando a impossibilidade, pelo menos para mim. Ainda assim me aventuro a tecer comentários, explanações, nem de longe suficientes para abarcar a quantidade de visões e universos constantes nele.
A pedido de uma amiga mais que especial – Bia Machado, embarquei nesta viagem exótica pelos fantasmas da alma humana. Já conhecia o trabalho de sua editora, o carinho com que trata cada livro e sabia que não iria me arrepender. E de fato não me arrependi e me deleitei a cada conto.
Antologia de contos fantásticos (Caligo, 413 páginas) possui 34 contos, além de introdução e posfácio. Enorme, impossível comentar cada um deles resumidamente, então tentarei comentar de maneira generalizada, atendo-me a alguns detalhes de um ou outro. Rubem Cabral, organizador deste, foi extremamente feliz na ordem em que colocou os contos. Senti um crescente na intensidade até culminar em um conto de perder o fôlego, que me fez relê-lo só pelo sabor e o gosto amargo deixado debaixo da língua.
Alguns contos têm linguagem requintada, outros são quase taquigráficos, com a velocidade típica de blogs. Porém, todos carregam em si um denominador comum – o amor pelo fantástico, pelo fantasmagórico. São contos concêntricos, uma colcha de memórias formando um mosaico luminoso:
“Um brilho percorreu suas memórias. Uma pequena lâmina de luz que disparou em sua corrente sanguínea um breve bem-estar elétrico, o primo em segundo grau da adrenalina.”
Senti angústia – Estar preso dentro do passado, mas da parte negra de seu passado – “gastura” – é como o sofrimento de estar preso em um casamento sem diálogo:
“… Algumas de minhas lembranças foram modificadas, outras perdidas e decerto carrego umas tantas inventadas. Os anos esculpem nossa memória sem muito compromisso com a verdade.”
“Hoje já estou velho e fraco. Não odeio… o ódio demanda muito esforço e estou cansado demais para alimentá-lo.”
Gargalhei de rolar pelo chão – O hilário trato feito com o demo por um esperto manguaceiro bom vivant, que não se cansava de inventar tratamentos para o tinhoso – “Vossa Satanicidade”, “Vossa Capetência”, “Vossa Diabice”, “Vossa Malignidade”.
Há conto romântico. Apaixonei-me por me fazer lembrar do filme “A casa do lago”. Outro tremendamente fantasmagórico, em que os mortos da família voltam para assombrar o pobre personagem. Há conto que vale pelo título, uma sacada incrível – “O cisco no olho do furacão”. Há conto de zumbi em que o foco são as relações humanas, belíssimo:
“… Não se pode afirmar o mesmo sobre algumas lembranças, que a vida nos resolve fazer engolir, como algo sólido e amargo. Ela vira uma travessa de seus besouros brilhantes e somos obrigados a mastigar, pois somos os resignados servos de sua vontade. Quando o destino endireita nosso vagão por trilhos novos, torça para que este não reserve em alguma curva um túnel escuro, pois é atrás deles que geralmente nos recebe a Estação das Desgraças. Não existe qualquer consolo, após a escuridão. Só fantasmas.”
site:
Leia em: http://www.literaturadecabeca.com.br/resenhas/resenha-antologia-de-contos-fantasmagoricos-os-fantasmas-contidos-na-alma-humana/#.Uw-cAvldUeg