Gabriel 02/10/2014
A versão do Tao Te King que li foi o da tradução e com os comentários de Hubeto Rohden.
O livro se trata da tradução dos ensinamentos de uma suposta figura de 600 A.C. chamada Lao-Tsé, que teria se isolado e buscado um conhecimento que ele mesmo rotula como cósmico. Geralmente traduzido como "O Livro do Caminho e da Virtude" acabou servindo como obra inspiradora para diversas religiões e filosofias, em especial o Taoísmo e o Budismo. Serviu de inspiração para reis, políticos, filósofos e líderes de várias partes do mundo. Neste livro de Huberto Rohden, ao lado de cada trecho traduzido, o autor traçou comentários com sua interpretação dos ensinamentos.
Precursor do Espiritualismo Universalista, Rohden buscou traçar paralelos entre os ensinamentos da suposta figura de Lao-Tse com outros tantos ensinamentos ditos espirituais como os de Jesus ou Krishna. Ele chama estes grandes líderes espirituais da história da humanidade de "iniciados", como se tivessem acesso a um tipo de conhecimento para compartilhar que "pessoas comuns" não teriam.
As duas estrelas vão para o esforço de Rohden na tradução dos textos para o português, no que ficou parecendo uma tentativa honesta e fiel (no entanto, seus originais eram em alemão e não na língua em que foi escrito), possibilitando que tenhamos acesso a um conhecimento de um povo de uma China muito antiga (Na figura de Lao-Tsé) e nos surpreendendo com suas ideias de explicar o universo, as relações humanas, suas dicas de aperfeiçoamento individual e seus esforços para tornarem as relações humanas melhores e mais harmônicas. Apesar de toda a sua falta de instrução científica, falhas em raciocínio lógico e misticismo inerentes à época em que viviam, seus escritos são muito interessantes e tem um grau de sofisticação argumentavelmente maiores que muitos dos ensinamentos espirituais do ocidente vigentes na mesma época, como o Judaísmo, que se encontrava num período de barbárie muito maior antes do advento do Cristianismo e sua posterior domesticação. Diferente da Teologia Teísta do Judaísmo e do Cristianismo, a Teologia do Taoísmo tem um caráter Panteísta. Podemos perceber que, assim como acontece com o Judaísmo e o Cristianismo, muitas das ideias presentes no Taoísmo fazem parte do nosso dia-a-dia.
E minha crítica e o motivo de "subtrair" as outras 3, são pelas afirmações sem evidência de Rohden de que os grandes líderes espirituais pudessem realmente ter algum tipo de acesso à algo que outros não poderiam ter, chamando-os de "iniciados", até porque não existe evidência nem mesmo de que exista esse algo. Além de que, apesar de muitas das comparações de Rohden serem coerentes (algumas são forçadas), é evidente que os ensinamentos dos diferentes líderes espirituais, embora apresentem semelhanças, tem características completamente díspares e contraditórias entre si. Possibilitando que seus seguidores se considerem certos e aos outros errados e, até mesmo, guerreiem entre si.
E finalmente, é extremamente desmotivante ler algo fruto de uma mente tão obviamente iludida com a certeza sem evidência, ou seja, a fé, de que existe uma verdade única que simplesmente recebeu roupagens distintas em mitos diferentes. As características de localidade, de componentes culturais, climáticos, barbáricos e com panteões e teologias tão distintas, somados às atuais descobertas sobre a cognição humana que explica a criação dos mitos de uma forma tão obviamente psicológica, torna a ideia simplesmente iliterada cientificamente e um tanto infantil. Diferente do suposto Lao-Tsé, Rohden viveu no fim do século XX e deve ser criticado como tal.
Um adendo:
"X não é verdade apenas porque X é confortante". Lidemos com a realidade como ela realmente é. Vamos seguir em frente como uma espécie e deixar a era dos mitos no passado. Desfrutando apenas de sua riqueza literária e colhendo, em meio à muita religiosidade, barbarismo e afirmações sem evidência, seus bons exemplos e ensinamentos. Novamente, não há evidência de que exista qualquer ente sobrenatural ou mesmo uma verdade universal à qual descobrir. Nossos avanços, na prática, foram feitos à altos custos e com muito esforço.
Experiências ditas espirituais são reais, embora o nome "espirituais" seja usado na falta de um nome melhor. Não exite, no entanto, evidência alguma de que sua origem se dê em algo além de motivos meramente psicológicos e, como são possíveis de acontecer em religiões com ensinamentos tão distintos, está claro que toda a carga de dogma e doutrina são desnecessários para tais experiências. Além do que, é discutível até que ponto tais experiências podem ser saudáveis ou nocivas, mas eu não possuo conhecimento nem mesmo para especular sobre isso. O que posso afirmar é que, no tocante à meditação, existem cientistas divulgando vantagens quanto a sua realização.
Esforço, tentativa e erro, racionalismo e previsões cuidadosas foram as ferramentas que trouxeram as melhorias de que desfrutamos hoje. Nossa intuição, vontades e pesamentos desejosos usualmente nos traem e trazem infortúnio; por isso, devem passar pelo crivo do pensamento analítico antes de serem abertamente expressados ou vividos.
Diferente, aliás, do que Lao-Tsé parece afirmar e Rohden corroborar.