O brinquedo raivoso

O brinquedo raivoso Roberto Arlt




Resenhas - O Brinquedo Raivoso


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jota 26/11/2020

ÓTIMO (retrato expressionista de um delinquente argentino quando jovem)
Contemporâneo de nomes de peso como Jorge Luis Borges e Ricardo Guiraldes, o escritor, dramaturgo e jornalista Roberto Arlt (1900-1942) viveu pouco mas deixou uma obra marcante na literatura argentina. Da qual faz parte O Brinquedo Raivoso (1926), considerado por especialistas um romance de formação, da mesma forma que O Jovem Törless (Robert Musil), David Copperfield (Charles Dickens), O Apanhador no Campo de Centeio (J. D. Salinger), Retrato do Artista Quando Jovem (James Joyce) etc. Seu personagem central, Silvio Astier, influenciado pela literatura bandoleiresca (folhetins de aventuras) desde menino sonha ser, entre outras coisas, um grande bandido como Rocambole (criação do escritor francês Ponson du Terrail) e ao mesmo tempo um poeta genial como Baudelaire.

Li algo sobre esse romance de estréia tempos atrás, numa publicação sobre livros fundamentais da literatura argentina, onde eram citados autores como Julio Cortazar (O Jogo da Amarelinha), Adolfo Bioy Casares (A Invenção de Morel), Ricardo Piglia (Respiração Artificial), Alan Pauls (História do Pranto), o próprio Borges (Ficções) etc. e decidi conhecer melhor Arlt lendo-o. Inicialmente ele pensava em chamar o romance de A Vida Porca, já que Silvio Astier vive na pobreza e na sujeira de um miserável bairro portenho. Sem acesso a uma educação sistemática, boas escolas, orientação familiar, forçado pela mãe a trabalhar desde cedo etc., o garoto se esforça para fugir da realidade em que vive, buscar outro destino para si. Sua inspiração de existência ideal vem dos livros que lê: através deles supunha que aprenderia a viver, seria capaz de elaborar um plano de ação para o futuro, quer dizer, tornar-se-ia, por exemplo, um ladrão bem sucedido como Rocambole, seu herói folhetinesco. Ou então alguém notável...

Ao mesmo tempo em que vamos nos familiarizando com Silvio, seus parentes (mãe e irmã apenas), amigos e cúmplices, os empregos que teve e seus patrões, conhecemos um bocado da Buenos Aires das primeiras décadas do século XX, como destaca a editora brasileira da obra. Ela relaciona a cidade portenha à nossa São Paulo da mesma época, ao surgimento do movimento modernista por aqui, em 1922. Arlt faz o registro literário e antropológico dos jovens marginais de então usando uma linguagem que é ao mesmo tempo popular, expressionista e existencial. Daí que é tido como um renovador da literatura de seu país e o leitor sente que está lendo um livro diferente quando tem em mãos O Brinquedo Raivoso. Que Arlt não deixa muito claro o que seja. Um revólver que Silvio adquire a certa altura e que com ele tentará se matar depois? Ou seria uma metáfora para designar a rica imaginação do personagem, que a utiliza para fugir da vida desgraçada (porca, miserável) que leva, mas que é ao mesmo tempo engraçada (risível), porque alguém que leu tanto quanto ele, que tem tantos planos com tão pouca idade não pode terminar como um bandido perigoso.

A “carreira” criminosa do garoto começa cedo, com a falsificação de figurinhas difíceis de encontrar, pequenos furtos com outro amigo, como quando roubam os livros da escola para vender, depois a tentativa de incendiar o próprio sebo onde trabalhava porque detestava o patrão e sua mulher, enquanto sonhava, a partir de tudo que lia, incluindo revistas técnicas sobre diversos assuntos, com projetos gigantescos nunca realizados. Silvio acreditava que poderia se tornar um inventor feito Edison, um general como Napoleão, um poeta como Baudelaire, um demônio feito Rocambole. É extremamente engraçado o episódio em que presta concurso para uma escola da aeronáutica e se revela extremamente inteligente em suas respostas; seu conhecimento de variados assuntos deixa bastante admirados os militares da banca examinadora. Aprovado, pouco tempo depois, no entanto, é dispensado pelos superiores sob a alegação de que nas forças armadas não buscavam pessoas inteligentes, apenas sujeitos brutos para trabalhos pesados. (Entende-se; e a anedota argentina se aplica intensamente aos milicos brasileiros.)

Dispensado da carreira militar, envergonhado porque teria de dizer à mãe esperançosa em seu futuro o que se passara então, o desiludido Silvio pensa, portanto, em se matar. Mas sua tentativa de suicídio resulta frustrada e vemos que roubar, inventar e também delatar cúmplices parece ser o resumo de sua existência. Mas estamos lendo um livro escrito por Roberto Arlt: então, tudo o que Silvio viveu até o momento em sua curta vida de muitas leituras, sonhos e planos, de algum modo lhe dá apoio para seguir em frente. É quando surge, melhor, quando ele se introduz na vida do engenheiro Arsenio Vitri, de quem, juntamente com os cúmplices pretendia roubar um cofre. É preciso ler O Brinquedo Raivoso até o final para saber o que vai ser da vida de Silvio Astier a partir do contato com o engenheiro. Finalizando: achei o livro ótimo, como os outros romances de formação citados lá em cima, mas parece que entre os leitores ele não é uma unanimidade como aqueles. Enfim...

Lido entre 19 e 25/11/2020.
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