Hermes 17/07/2014
Livro cheio de defeitos
Por que achei o livro ruim.
1 - Falta uma história - Bem, na verdade, isso não é propriamente um defeito. É mais uma questão de gosto pessoal: prefiro livros com boas histórias. Com efeito, não posso negar que há muitos livros sem histórias que são bons, mas esses apresentam reflexões profundas, inteligentes e instigantes. Já "Fim", além de não ter uma trama clara (são relatos de alguns acontecimentos na vida dos personagens), não traz nenhuma reflexão profunda. Os pensamentos são bem comuns.
2 - Personagens caricatos - Fernanda Torres cria cinco caricaturas e passa o livro todo retocando-as. Álvaro é o chato, brocha, que não se dá bem com as mulheres. Sílvio é o porra-louca, tarado, inconsequente. Ciro é o homem perfeito, bonitão, bom em tudo, que desperta o interesse de todas as mulheres; nenhuma resiste a ele. Ribeiro é o zé mané, esportista, que se interessa por menininhas e toma viagra para se manter ativo sexualmente. Neto é o bom moço, sujeito comum, conservador. Pois, a todo momento, em todos os relatos - tanto dos amigos como das pessoas a eles relacionadas - as características marcantes dos cinco são ressaltadas. Ficou maçante. Não consegui visualizar mentalmente nenhum personagem.
3 - Ela abusa de clichês - O tema em si já é um. Retratar os velhinhos de Copacabana que, na juventude dos anos 60 e 70, eram os transviados, os paladinos da contracultura, é uma assunto que já foi explorado demais. Além desses, há muitos outros. Engraçado que há um trecho em que uma personagem critica mentalmente o porteiro do prédio porque ele usa, num velório, um monte de clichês a fim de se referir à morte. Mas criticar os clichês usados em enterros por si só já é um clichê. Outros me lembraram cenas de novela. Um exemplo: o casal que se conhece numa roda de violão e ali começa um romance. Esse, por sinal, tem cara de roteiro da novelinha Malhação. Sobre o encontro do tal casal, selecionei esses trechos: "A Ruth atacou a voz de mulher, o Ciro a do homem, e os dois terminaram juntos, aplaudidos de pé, para sempre apaixonados" (pág. 104); "Senhor absoluto da cena, Ciro raptou a rainha com perícia de Eros. Muito casais se formaram naquela noite, atiçados pelo testemunho do encontro." (pág. 114). É muita pieguice! Se ela não tirou isso de malhação; na melhor hipótese, foi das sebosas novelas do Manoel Carlos. Não dá! Um bom livro não tem tantos lugares-comuns.
4 - Fórmula desgastada da narrativa - A crítica elogia a narrativa de Fernanda Torres como se fosse algo inovador. Não precisa conhecer muito a literatura brasileira contemporânea para perceber que a fórmula que ela usa já está bastante desgastada. Linguagem coloquial, palavrões, frases curtas e secas, sarcasmo, ironia, humor cáustico, instâncias de fluxo de consciência; tudo isso já foi usado, até com um pouquinho mais de competência, por autoras como Luisa Geisler, Állex Leila e Márcia Denser, só para citar três nomes. Não gosto desse estilo.
5 - Número interminável de listas - Não consegui contar todas as enumerações existentes em "Fim." Só para se ter uma ideia, nas páginas 198 e 199, em cinco parágrafos, contei oito listas. É demais! É um recurso pobre e irritante; trava a leitura. Listas são inevitáveis em alguns momentos, principalmente quando se descreve pessoa ou local; só que ela usou em excesso. Vejam: "Deus se transmutando no próprio planeta, nas correntes de ar, nas nuvens densas, no sol inclemente, na lua, nos temporais" (pág. 198). "Dormiu ao relento, teve medo de bicho, de gente, foi assaltado..." (pág. 198). "...sentiu febre, frio, fome e sede." (pág. 198). "...Oiapoque, Boca do Acre, Lábrea, Manicoré, Aripuanã, Parecis, Jaciara". (pág. 199). "Acostumou-se com o mormaço, os insetos graúdos e as cobras, com os barulhos da noite e as brincadeiras truculentas dos nativos" (pág. 199). "...crimes contra a natureza, serras elétricas, tratores, correntes e venenos de praga" (pág. 199). Já está bom, né? Ao longo do livro, encontramos outras muitas enumerações. Não me espantaria se alguém me dissesse que contou mais de cem.
6 - Excesso de chavões - Sei que essa palavra tem o mesmo significado de clichê, mas usei "chavão" separadamente para fins didáticos. Destaquei esse termo só para me referir àquelas expressões repetidas demais pelo uso popular, que, por isso mesmo, devem ser evitadas num texto formal, mais ainda no livro, ainda que o estilo seja coloquial. Seu uso empobrece o texto. Considerando somente os usados em terceira pessoa, contei dezenas de chavões. Selecionei os três piores: "Encontrara a sua razão de ser" (pág. 116); "...ameaçou vir à tona e transbordar" (pág. 121); e "...dera o tiro de misericórdia..." pág. 197). Não dá!
7 - Muitos conflitos tinham a mesma essência - Na hora da própria morte ou do outro, os velhinhos começavam a questionar seus amores. Para Irene: sinto ou não sinto falta de Álvaro? Para Ribeiro: amo ou não amo Suzana? e Amo ou não amo Ruth? Para Neto: amo ou não amo Célia? Para Ciro: amo ou não amo Ruth? Quem fugiu disso foram Álvaro e Sílvio, que tiveram reflexões mais interessantes na hora da morte.
8 - A autora cita demais nomes consagrados, suas obras ou seus pensamentos - Ela citou em demasia filósofos, escritores, cantores, músicos, compositores. Nietzsche, Platão, Aristófanes, Dante, Flaubert, Machado de Assis, Vinícius, Jobim, Bob Dylan, Noel Rosa, Nara, Bethânia, Elis Regina. A autora me passou a ideia de que ela se valeu desse recurso só para exibir erudição. Achei pedante.
9 - Humor fraco - Nem ao menos nesse quesito o livro escapou. Poderíamos esperar que a escritora mostrasse tiradas engraçadas e inteligentes, mas não foi o caso. Não achei graça das piadas. O tal sarcasmo não era tão inteligente e engraçado. Na verdade, não é diferente do que tanto vemos por aí. Não consegui dar uma risadinha sequer.
10 - Vício em sinônimos - Ela usou demais o recurso de repetir sinônimos (ou palavras de sentido aproximado) em sequência para enfatizar uma ideia. Exemplo: "Ele é um zero, um nulo, um nada". (pag. 33).
11 - Falta originalidade - Fernanda Torres não apresenta nenhuma novidade. Não traz nenhuma ideia nova, nem na forma, nem no conteúdo. A grande quantidade de lugares-comuns diz isso por si só.
Enfim, na minha opinião, é um livro cheio de problemas. Se salvam: as partes que retratam a vida e os dilemas do Padre Graça (apesar de alguns lugares-comuns); o diálogo entre Ciro e a enfermeira Maria Clara (o que se encontra nas páginas 188 e 189); e alguns momentos do relato em primeira pessoa do personagem Álvaro. O resto, a meu ver, não funcionou. A ideia de cada personagem contar sua versão dos fatos e a inserção de relatos sobre a vida das pessoas próximas a eles resultaram num livro repetitivo e maçante.
É tentador, mas não...não vou fazer nenhum trocadilho com o nome do livro. Acabo aqui a resenha.
Dou mais exemplos e detalho melhor minha opinião no blog (link abaixo)
site: http://garrafadacultural.blogspot.com.br/2014/03/fim-fernanda-torres.html