Luiza Bugelli Valença 02/01/2023
Um breve relato enviesado sobre o Carandiru
Em 1992 ocorreu um acontecimento que marcaria a história das penitenciárias brasileiras: houve um massacre no Carandiru, que até então era um dos maiores presídios do país. A intervenção militar provocou a morte de 111 detentos. Desde então o Carandiru passou a se tonar um tópico frequente quando o assunto é analisar o sistema carcerário do Brasil. Por isso, a obra ?Estação Carandiru? de Dráusio Varela, se tornou uma importante ferramenta de compreensão sociológica das cadeias do país.
O livro se trata de uma verdadeira peça jornalística, que narra os relatos das vivências de Dráusio Varela, médico infectologista que atuou por muitos anos no Carandiru, com os detentos. Por ser um profissional da saúde, o foco da obra é evidentemente relatar como era realizado os tratamentos médicos, o que era utilizado como profilaxia e quais eram os maiores males à saúde dentro de presídio. Entretanto, também é possível encontrar características do cotidiano dos presos dentro da cadeia e suas histórias de como foram presos.
Interessantíssima é a forma como o autor narra os surtos de DST na cadeia, principalmente quando se trata da relação da AIDS com a droga. Ainda, é notório que o autor relata, livre de preconceitos próprios, a realidade das mulheres travestis e transgênero que habitavam a cadeia. Ainda, é muito bem explicada a percepção do autor sobre as formas paralelas de governo que existiam dentro do Carandiru.
Todavia, na minha visão, a história se perde em muitos pontos. Primeiramente, senti falta da abordagem sobre o massacre em si, que é parcamente mencionado nas últimas 10 páginas. Além disso, o fato de o autor não abordar o envolvimento do PCC na cadeia foi uma grande perda para a narrativa, visto que o Primeiro Comando da Capital já exercia forte influência sobre os presídios naquela época. Também, julgo que Dráusio Varela romantizou, muitas vezes, a vida bandida, mesmo quando esta envolvia assassinato de civis inocentes, o que é problemático.
Por fim, o livro é importante para que se tenha uma visão sobre alguém que vivenciou de perto o Carandiru. Mas a obra deve ser analisada com muito senso crítico e sem abandonar as opiniões pessoais, pois o que é descrito nas páginas está longe de ser uma verdade absoluta e imparcial.