WILSON COSTA 23/10/2015minha estanteResenha do site Cooltural
O Grito, de Wilson Costa
O Grito
[?], mas não se iludia, sabia que na sociedade as diferenças não são respeitadas como um direito do próximo, uma vez que ela é elitista, egoísta e individualista e que, com raríssimas exceções, poucos são solidários.
Wilson Costa, O Grito, pág. 12.
Conheci o Wilson Costa através de uma amiga minha. Ela é espirita e estava lendo algumas obras cujos protagonistas eram homossexuais. Dentre as indicações dela estavam O Preço de ser Diferente, que já havia lido (tem até resenha AQUI), Um Amor Diferente, de João Alberto Teodoro ? pretendo lê-lo o quanto antes ?, e O Grito, do qual falarei agora. Mas antes de seguir com o texto, gostaria de mencionar que independente das doutrinas ou dogmas religiosos, limitar-me-ei às características pertinentes ao romance em si e não tenho intenção nenhuma de convencer ninguém a seguir (ou não) a doutrina espírita ou qualquer outra religião.
Em O Grito, acompanhamos a trajetória de dois casais. O primeiro, Fausto e Arturo, se conhecem ainda na adolescência durante um tratamento psicológico. Cada um possui um problema de origem familiar ímpar, mas por conta deles se tornaram reclusos e reagiram aos mesmos através da fala (digo, parando de se comunicar verbalmente). Como eles não se comunicavam, o tratamento estava sendo dificultado, onde foi nesse ponto onde os psicólogos acreditaram que juntos os dois poderiam se ajudar e progredirem no tratamento. E foi isso que aconteceu, os dois estranhos passaram a conviver e uma amizade surgiu, ganhando proporções maiores e chegando ao amor.
Já o segundo casal, Sara e Anita, se conhecem no metrô em um dia chuvoso. Tudo começou numa daquelas conversas com estranhos para passar o tempo, até que elas perceberam que não eram tão estranhas assim ? uma para a outra. Anita é acadêmica de medicina e frequentemente faz ligações para a empresa de medicamentos em que Sara trabalha. Imediatamente Anita reconheceu a voz de Sara, quem sempre lhe atendia, e uma amizade surgiu (assim como no casal anterior).
Devo confessar que achei bem audacioso da parte do autor trazer duas histórias centrais extremamente complexas. Como pode ser observado, não são apenas cada casal e seus problemas atuais, mas também suas vidas passadas recheadas de histórias. A quantidade de histórias paralelas deixa o leitor um pouco confuso no começo, mas nada com que não nos acostumamos, pois temos: Fausto e Arturo, e sua família (Álvaro, Rangel, Adalberto e Eloísa); os médicos e amigos do casal, entre eles Sotero e Nestor; Milla e Clóvis, um casal de espíritos que está na terra para realizar uma vingança; Sara (e sua irmã Helena) e Anita, e sua pequena e complexa família, sua mãe Dona Albertina e o primo, Alencar; além da vida passada desses personagens, vividos na Espanha no período da caça as bruxas, protagonizado por Berna e sua prima Michele, o bispo Solano e Oto (pretendente de Michele).
Apesar de parecer uma grande confusão, o autor consegue conduzir as histórias de forma magnífica. Assim, o desfecho consegue contemplar todos os personagens, dando um ?fim? merecido (ou não) a cada um deles. Incrível também como se dá a ligação das histórias, deixando a narrativa envolvente e ao mesmo tempo emocionante.
Uma das vantagens de se ler um livro espírita é que apesar de sermos apresentados à histórias fantásticas e personagens bem construídos (digo isto principalmente considerando os livros que já li), também podemos aprender um pouco mais sobre a doutrina e a forma de pensar e agir dos seus seguidores. O autor teve uma preocupação em trazer fontes para as falas dos personagens (citações diretas e notas de rodapé), o que deixa o texto mais embasado e consequentemente com ?dicas de leitura? para quem desejar estudar mais sobre as temáticas abordadas.
A postura do autor (e consequentemente da doutrina) sobre a homossexualidade é bem interessante. Pois, diferente das demais religiões, não há julgamento, mas sim uma reflexão de quem é esse sujeito dentro da sociedade em que vive, seja ele homossexual ou não. Como a citação a seguir mostra:
Um indivíduo homossexual é um ser humano como qualquer outra pessoa, deve agir dignamente para que na família e na sociedade possa ser respeitado, ser aceito nos seus direitos, isto é, se cumprir com seus deveres. Diante de Deus não há, portanto, superior nem inferior entre os humanos. (pág. 159)
Sobre a diagramação, devo dizer que ela é bem pensada e confortável. O texto foi bem revisado, visto que não foi identificado nenhum erro ortográfico. No entanto, um detalhe me incomodou bastante: a disposição das falas. Em certos momentos, as falas iniciadas por hífen, mesmo na sequencia, são ditas pela mesma pessoa. Assim, até que você se acostume, fica confuso sobre quem está falando. No caso de uma segunda edição, sugiro que o autor tenha a preocupação de colocar as falas continuadas entre aspas ou com outra formatação a fim de identificar.
No mais, a trama é empolgante e bem construída. A leitura é enriquecedora. Recomendo!