Maranganha 09/03/2011
O lirismo do Planeta Vermelho
"As fantasias em torno do planeta Marte prendem
nossos sentidos pela delicadeza
de suas imagens e por seu poder de encantamento.
É o poeta falando através de um novo meio".
Fred Hoyle, astrônomo e escritor.
Com todas as notícias recentes que temos do passo além lua na exploração espacial humana, Marte é, sem dúvida, o mais misterioso e promissor planeta. Esse nosso vizinho cósmico já foi na literatura e no cinema o berço de seres cruéis, bondosos, evoluídos, atrasados, violentos, pacíficos, futuros, passados e de uma gama enorme de outras atribuições. Marte exerce mais pressão sobre nossa imaginação que a própria lua.
Entre os maiores retratistas de Marte ninguém pintou um quadro tão belo, porém, quanto Ray Bradbury. Descendente de suecos, com 89 anos e ainda vivo, autor de quase trinta obras, entre as quais temos Fahrenheit 451, Os Frutos Dourados do Sol e Crônicas Marcianas, ele desenhou um planeta Marte ao mesmo tempo belo, misterioso, simples e cativante.
Mas o que faz seu livro chamar tanto a atenção é seu tema. Não se trata apenas de uma colonização, mas de um tratado sobre sociologia e política. Ray Bradbury se destaca por ser político, e por ser polêmico. Ao escrever crônicas como O Verão do Foguete ou As Cidades Silenciosas, Bradbury faz suas críticas ao governo, à guerra fria, à natureza humana. Um Caminho no Meio do Ar nos acusa de erros que cometemos no passado, nos dando um tapa na cara por questões raciais. Lembrando de que esses textos foram escritos no auge da Guerra Fria, não há como não perceber nesses escritos um certo tom de ironia político-histórica, de sarcasmo. Bradbury, sim, era polêmico.
Mas não só de polêmica vive a literatura. Bradbury explorou também os limites do próprio texto. Fausto Cunha já falou dele de que se tratava da obra prima da ficção científica de todos os tempos. No gênero de ficção científica há muitas inovações temáticas, e pouquíssimas inovações formais. Ray Bradbury conseguiu, porém, utilizar um tema muito batido e conhecido, exaustivamente explorado, e fez uma bela releitura. Uma crônica como Os Colonizadores conseguiu fragmentar um herói em milhões de personagens; A Escolha dos Nomes nos transporta para a crise vivida pela personagem; Chegarão Chuvas Suaves fez algo raro ao contar uma história completa sem o uso de personagens. Bradbury também é lírico, usando uma linguagem que, às vezes, confunde gênero épico e gênero lírico. Lirismo e inovação tem tudo para somar qualidade à obra, e dar-lhe uma atualidade eterna.
Mas polêmica e qualidade, que nem sempre conseguem um casamento perfeito, pois exige do autor um misto de panfletagem e academicismo. Mas quem disse que Bradbury era panfletário, ou mesmo academicista? Ele apenas soube compreender seu tempo, e o usou como matéria prima de suas histórias, mesclando estilos que por muito tempo pouco inovaram, como ficção científica e terror, acrescentando-lhes elementos de lirismo, experimentalismo e uma certa dose de ironia.
Se Marte é, e sempre será, um planeta estranho e misterioso, e sempre atiçará milhões de mentes fantasiosas sobre seu passado, nossos anseios ao redor desse mundo sempre serão matéria prima para um número inesgotável de filmes, livros e histórias em quadrinhos, e quem sabe se ainda teremos alguém com a sensibilidade e a compreensão de sua época como Bradbury.