Carla.Parreira 07/03/2024
Plantas Medicinais (Mara Zélia de Almeida). Melhores trechos: "...Alguns estudiosos do assunto sugerem um sistema classificatório de sintomas e doenças baseado em relações simbólicas entre o corpo, os Orixás, seus arquétipos e suas histórias. Os diagnósticos na maioria das vezes, como citados anteriormente, resultam da consulta aos oráculos (jogos divinatórios) que determinam os sintomas, identificam os males e orientam os procedimentos de cura. Podem-se observar duas grandes categorias de doenças: os distúrbios que se apresentam sob forma de desordem física, que podem ocorrer ou não no iniciado e que são relacionados com a atuação das divindades principais do indivíduo. A segunda categoria compreende 49 as doenças endêmicas em geral como varíola, gripe, resultante da ação genérica do orixá Obaluaê e Omolú, considerados como 'os senhores da vida e da morte', sincretizados por São Lázaro e São Roque, chamados 'médicos dos pobres'. Alguns observadores ressaltam que, em se tratando de iniciados, a sintomatologia pode exprimir a 'marca' ou sinal de sua divindade principal ou de um Orixá que faça parte de seu 'carrego de santo'. Sendo assim, as doenças de pele (varíola, catapora, rubéola, sarampo e outras como coqueluche, caxumba e tuberculose) são de responsabilidade de Obaluaê e Omolú. O vitiligo, porém, é atribuído a Oxumarê, assim como a erisipela a Nanã, o que pode talvez ser explicado pelos laços de parentesco mítico entre essas três divindades (Nanã, a mãe de Obaluaê e Oxumarê). As doenças venéreas femininas, a falta ou excesso de 'regras menstruais', abortos, infertilidade e os demais distúrbios incluídos na categoria de 'doenças de senhoras' ou 'doenças da barriga', constituem apelos ou 'marcas' de Iemanjá e Oxum, ligadas ao elemento água, à feminilidade e à maternidade. Observa-se que em quase todas as oferendas para Oxum colocam-se ovos, símbolos da fertilidade. A esse Orixá, cabe também o restabelecimento das 'doenças de crianças'. A impotência e a fertilidade masculinas aparecem ligadas a Xangô e a Exu, divindades viris do elemento fogo, sendo geralmente indicadas 'garrafadas' cujos componentes em geral são plantas com características afrodisíacas e estimulantes. Os distúrbios respiratórios e os problemas de visão são atribuídos às divindades femininas Iansã e Oxum. Sugere-se que tal relação tenha origem no fato de Oxum ser considerada a padroeira da adivinhação, dos 'jogos de búzios', sendo seus iniciados vistos como os melhores adivinhos ou 'olhadores'). Já Iansã, ligada ao elemento ar, por ser a 50 'dona dos ventos', do movimento, da força controle dos elementos, imprime sua marca em seus 'filhos' transgressores, sobretudo através de afecções do sistema respiratório tais como asma, falta de ar, enfisemas e outros males. Os distúrbios emocionais, 'as doenças da cabeça' e manifestações de loucura, aparecem associados especialmente a Oxóssi (elemento terra), considerado o 'dono de todas as cabeças' nos Candomblés 'Ketu', podendo também ser atribuídos a Ossanyim, 'o dono das folhas' e mais raramente a Iansã, a quem também é associada a ninfomania. Os males do fígado e vesícula, as úlceras estomacais e as enxaquecas são vistos também como sinais de Oxóssi, algumas vezes percebidas como 'marcas de seu filho Logunedé'. A magreza constitui uma das características arquetípicas desses Orixás, sendo o emagrecimento a eles atribuídos. Já a obesidade apresenta-se relacionada tanto às iabás Iemanjá e Oxum, como ao orixá masculino Xangô, todos associados em suas respectivas histórias, ao acúmulo de riqueza material e à gulodice. Os ferimentos e danos produzidos por instrumentos cortantes ou desastres automobilísticos são associados a Ogum (elemento terra), patrono do ferro e do progresso tecnológico. As queimaduras, no entanto, são de responsabilidade de Xangô e Exu, divindades do elemento fogo. As doenças do sistema circulatório e cardio vasculares estão relacionadas aos Orixás primordiais da criação: Oxalá, Nanã e Iemanjá. A esses deuses estão ainda associadas as inchações, reumatismos e artroses. Os distúrbios e dores renais, assim como o reumatismo, são vistos como 'males de velhos', sendo atribuídos a Oxalá e Nanã, percebendo-se aí uma relação com a senilidade desses Orixás. Doenças recentemente reconhecidas são também classificadas, a AIDS por exemplo é considerada um flagelo característico do Orixá Ossanyim, provavelmente devido à relação desse Deus com a cura de enfermidades graves, mesmo as mais mórbidas. Para complementar o entendimento dos procedimentos da chamada Terapêutica Yorubá é preciso entender sem ideia preconcebida os conceitos de doença, saúde e remédio; a importância dos arquétipos relacionados aos deuses do panteão africano para o sistema classificatório de sintomas e doenças; as práticas de saúde (remédios, rituais de limpeza e purificação) e seus respectivos simbolismos. É importante afirmar que o paciente, nessas ações de saúde, é visto como indivíduo, agente de sua própria cura, com identidade própria, figura ímpar de uma história de vida emocional, social e ancestral... Uma outra importante aquisição para a terapêutica, obtida a partir das pesquisas etnofarmacológicas com grupos indígenas, foram os curares. Os curares são os famosos venenos para flechas, usadas pelos índios da América do Sul. Apesar de serem inócuos por via oral, uma só gota injetada na corrente sanguínea paralisa a vítima sem matá-la. Os curares naturais podem ser divididos em duas classes: os curares de tubo, conservados em canos de bambu e os curares de cabaça, guardados em cabaças ou vasilhames de barro. São encontrados em diferentes zonas geográficas, com origem botânica, composição química e empregos diferentes. Os curares e seus derivados naturais e sintéticos ainda hoje são usados como anestésicos locais ou relaxantes musculares pré-anestésicos. Durante muitos anos a atenção dos pesquisadores em etnofarmacologia esteve voltada para a Amazônia, em busca de produtos psicoativos de origem vegetal. Nessa busca, tornaram-se conhecidas várias drogas utilizadas pelos indígenas, principalmente nos momentos ritualísticos... O uso das ervas sempre esteve ligado à magia e aos sonhos de realizações materiais ou afetivas. Esse não é um privilégio de civilizações mais primitivas, muito menos restrito à nossa herança africana. A Europa nos trouxe também muito de suas tradições com as plantas. De origem remotíssima, essas ervas mágicas estão relacionadas aos cultos da Grande Deusa, aos deuses do panteão grego-romano, aos monges, às bruxas e a todos os que mantiveram o sonho como resistência. Esses sempre trouxeram consigo poderosas ervas que proporcionaram a vivência da Magia, a construção dos sonhos, uma certa leitura diferenciada das ofertas da Grande Mãe Fértil, 'Terra', que tudo nos oferece. Uma dádiva dos deuses. Basta decodificar o poder dessas porções com olhos de sonhador. Seus usos diversos e seu potencial transformador nos ensina a virtude da paciência, tal qual os ciclos da natureza. A planta simboliza a energia solar condensada e manifesta..."