MiCandeloro 07/04/2014
De tirar o fôlego!
Imaginem um universo distópico e pós-apocalíptico em que é impossível viver no Planeta Terra. Nosso mundo foi devastado há séculos e o ar tóxico que circula pelo meio-ambiente é mortal, fazendo um ser humano morrer e se desintegrar em pouco tempo ao entrar em contato com ele. Além disso, a paisagem antes tão bonita se tornou inóspita e digna de dar arrepios em qualquer mortal.
Os únicos sobreviventes a essa catástrofe são os moradores do Silo, um local previamente preparado e equipado com toda a tecnologia e mantimentos suficientes para sustentar um número determinado de pessoas. Lá, tudo é racionado e cheio de regras. O controle populacional é feito por meio de loteria em que um casal só pode ter filhos quando alguém morre. Qualquer pensamento a respeito da vida do lado de fora é banido de imediato com a pena máxima: a limpeza dos sensores do Silo, o que, em outras palavras, significa a morte.
O Silo possui 144 andares e é dividido em três seções diferentes de 48 andares cada. Cada um em seu interior possui uma função muito bem dividida e essencial à manutenção do local. Lá podemos encontrar pessoas responsáveis pela mecânica, suprimentos, portadores, TI, bem como os sacerdotes, delegados, xerife e a Prefeita. Todos no Silo vivem em paz e aparentemente são felizes. Ninguém tem a ilusão de que um dia viverá do lado de fora e seguem as suas vidas alienadas satisfeitos com o que têm sem fazer nenhum questionamento sobre o passado ou criando esperanças para o futuro. As coisas são como são. Simples assim.
Mas, de tempos em tempos, o Silo é infectado com vírus mortais: as ideias! Pessoas que resolvem pensar e questionar o modo de vida atual colocando em risco todo o funcionamento político e social do local.
" Ideias são contagiosas, Lukas. Isso é o básico da Ordem. Você sabe."
No início do livro conhecemos Holston, o xerife atual que decide, por livre e espontânea vontade, sair do Silo. Ninguém consegue o convencer do contrário. Ele que ir lá para fora e se reencontrar com a esposa que há três anos foi condenada a limpar os sensores, porém, ele está convencido de que não vai morrer e de que há uma grande mentira por trás do que todos sempre os fizeram acreditar. Mas, as coisas não saem como ele havia planejado e ele nunca mais volta.
"Holston aplicou a película protetora no segundo sensor e se perguntou se a mentira feia de um mundo exterior desagradável seria uma tentativa equivocada de evitar que as pessoas quisessem sair. Será que alguém havia decidido que a verdade era pior do que perder o poder, ou o controle? Ou seria algo ainda mais profundo e sinistro? Um medo da liberdade, do descontrole, do tenha-quantas-crianças-quiser? Tantas possibilidades horríveis."
Assim, a Prefeita precisa nomear um novo xerife e decide ir até o subterrâneo entrevistar pessoalmente a candidata mais indicada ao cargo: Juliette, da mecânica. Apesar de apresentar certa resistência de início, Jules acaba aceitando o cargo deixando Bernard, chefe da TI, totalmente contrariado. A partir de então uma série de acontecimentos suspeitos e misteriosos começam a acontecer no interior do Silo, transformando a vida comum que Jules levava em uma vida cheia de aventura e percalços.
Jules resolve meter o nariz onde não foi chamada e começa a investigar uma série de mortes que colocam a sua vida e a de seus amigos em risco. Depois de dar um passo em falso, Jules é condenada a limpeza e esta ida ao exterior será como algo jamais visto por todos os habitantes do Silo.
"(...) todos os levantes ocorreram por causa dessa dúvida, da sensação de que nós estamos no pior lugar, bem aqui."
Querem saber o que irá acontecer? Então leiam! Porque nada é como parece ser.
***
Desde que ouvi falar sobre esse livro tive a certeza de que gostaria de lê-lo, afinal, sou doida por distopias e, por mais que a premissa parecesse ser clichê, queria descobrir o conteúdo dessa história com os meus próprios olhos. Assim que recebi o convite da Intrínseca para participar dessa Semana Especial, não pensei duas vezes antes de dizer sim e fiquei feliz da vida quando Silo chegou. A capa é tão linda e o livro é enorme. Confesso, levei muito tempo para lê-lo, praticamente uma semana, porque as coisas estão corridas aqui em casa e porque a leitura custou a engrenar.
Fiquei com muito medo de não gostar, já que as primeiras cem páginas foram arrastadas para mim. Mas todos da Editora o elogiaram tanto que segui em frente firme e forte e não me arrependi nenhum pouquinho. Fazia tempo que não lia um livro tão inteligente, tão bem escrito e com tantas frases de efeito que mexeram comigo.
Apesar de Silo ser situado num mundo pós-apocalíptico e distópico, esse cenário de ficção científica é utilizado apenas como pano de fundo para a construção da história. Aqui, Hugh foi além, ele quis abordar as implicações das relações sociais e políticas de uma nação (micro, mas ainda assim uma nação) que é forçada a viver isolada, dentro de quatro paredes, sem nenhuma perspectiva futura de mudança.
Como seria se algo terrível acontecesse e fôssemos relegados a viver abaixo do solo, com suprimentos racionados, regras extremamente rígidas e com um controle absurdo a respeito das informações trocadas entre os habitantes? Num local em que tudo era cobrado, desde o envio de um email a entrada em um pavimento diferente? Como seria ter que conseguir permissão para casar e ter filhos, ou então ser mandado para o exterior e para a morte certa por um menor deslize apenas para que a ordem fosse mantida e restasse imaculada?
"E ela soube que estava certa sobre o preço do envio de e-mails: eles não queriam que as pessoas conversassem. Pensar, tudo bem; os pensamentos são enterrados junto com quem pensou. Mas nada de se reunir, nada de grupos coordenados, nada de troca de ideias. (...) E quem os questionaria? Quem arriscaria ser mandado para a limpeza?"
Hugh abre um debate para todas essas questões e nos mostra o quanto a informação e as ideias podem ser poderosas e perniciosas ao mesmo tempo. Além disso, ele nos leva a pensar a respeito das nossas atitudes em relação ao passado, ao presente e ao futuro da humanidade. Até onde as nossas ações e nossos pensamentos podem nos levar e o quanto isso pode destruir um povo inteiro? Estamos realmente preparados para as consequências?
" Toda a nossa esperança, as conquistas anteriores a nós, como o mundo pode ser, este é nosso Legado. (...) E as coisas ruins que não podem ser remediadas, os erros que nos fizeram chegar a este ponto, isso é o passado. (...) Significa que não podemos mudar o que já aconteceu, mas podemos desempenhar nosso papel no que vier a acontecer. (...) E isto... Lukas se virou e pôs a mão sobre o livro grosso. Ele prosseguiu sem que lhe pedissem. A Ordem. Isto é um mapa para conseguirmos passar por todas as coisas ruins que se acumularam entre nosso passado e o futuro ainda com esperança. Isto é sobre as coisas que podemos prevenir, que podemos corrigir."
A história é narrada em terceira pessoa e todos os capítulos são intercalados entre personagens e situações diferentes. Durante o texto diversas dúvidas começam a pairar sobre a nossa cabeça e acabamos devorando linha por linha numa tentativa desesperada de descobrir as respostas. Quando achamos que estamos chegando lá, o autor nos dá um baile e muda tudo de lugar. Isso me deixou enraivecida, querendo gritar com Hugh sobre o porquê dele ter feito isso comigo. Justo eu, que sou uma pessoa tremendamente curiosa e naturalmente cheia de dúvidas sobre a vida.. precisava decifrar aqueles enigmas de Silo.
Os personagens foram tremendamente bem construídos. Fazia tempo que não lia um livro assim, tão bem amarrado, complexo e cheio de vida. Consegui me conectar com cada um deles, até com os vilões. Isso foi curioso, porque do jeito que Hugh escreveu os vilões não pareceram assim tão maus. O autor nos apresenta razões que são plausíveis para eles terem feito o que fizeram e, em determinado momento da história, nos obriga a nos posicionarmos e a tomarmos um partido. E aí, qual deles você vai ser? Aquele que irá manter a ordem e preservar o legado da humanidade, custe o que custar, ou aquele que irá revolucionar e fazer as pessoas acordarem da mentira na qual vivem? Que cor irá vestir? Prata ou azul? Eu sou da mecânica, com certeza e muito orgulho.
Além disso, Hugh conseguiu criar uma heroína inesquecível. Jules é abnegada, justa, incansável, mas acima de tudo, ela é humana e isso fez com sua história de vida e suas lutas me emocionassem muito mais. Sofri demais com as guerras que se seguiram depois que Jules foi mandada para limpeza e quase morri sem saber o que foi feito de Walker.
Semana Especial Silo Hugh Howey Editora Intrínseca Recanto da Mi
Quando achei que o autor não poderia mais me surpreender, ele simplesmente criou todo um novo cenário para a história que passou a ser praticamente narrado de maneira concomitante a tudo que já conhecíamos. Eu queria muito abordar diversos detalhes e discutir algumas situações específicas com vocês porque Silo dá muito pano para manga, mas isso acabaria liberando spoilers, então terei que me conter. Mas estou pensando seriamente na possibilidade de abrir um post para debates sobre esse livro, porque ele merece.
O final de Silo foi eletrizante, cheio de emoção e de novas perspectivas que se abriram para os personagens. Estou simplesmente em cólicas para ler os outros livros da trilogia e meio temerosa para saber como será a sua adaptação para o cinema, porque só o primeiro livro daria tranquilamente três filmes de tantos detalhes que a história possui.
Só posso dizer, principalmente para aqueles que são fãs desse gênero literário, que leiam Silo e embarquem nessa aventura de tirar o fôlego.
Resenha originalmente postada em: http://www.recantodami.com/2014/04/semana-silo-resenha-dia-1.html