Leila de Carvalho e Gonçalves 18/07/2018
Filosofia E Obscenidade
Esse livro "indecoroso" faz parte da trilogia obscena publicada por Hilda Hilst na década de noventa. Nele, ela reúne alusões literárias a mais deslavada pornografia, satirizando o mercado literário de baixa qualidade cujo único objetivo é o lucro.
Impiedosa e desbocada, vai além. Defende que a obscenidade só escandaliza, caso ultrapasse a tolerância que cada cultura reserva para ela e isso ocorre, quando ela ousa se unir à filosofia. Portanto, o alvoroço em torno da obra de Sade não reside na sua devassidão, aliás, fato comum na literatura do século XVII, mas por levar o pensamento iluminista para a alcova. Por extensão, esse mesmo conceito pode ser aplicado a Flaubert, Lawrence e tantos outros autores que usaram e abusaram dessa transgressão para construir grandes obras.
Para comprovar essa ideia, ela reúne vários gêneros literários para criar um texto no qual as principais personagens estão relacionadas com o meio artístico. O narrador, Crasso, seu alter ego, é um sexagenário que depois de ter lido tanto lixo, resolve escrever o seu. Essas "memórias sexuais" são centradas em Clódia, a amante bizarra que pinta órgãos sexuais de todos os tipos. Para concluir, há ainda um "escritor sério", Hans Hackel, que acaba dando um tiro na cabeça.
Um trio que cai feito uma luva para o potencial subversivo de Hilst que explora, através deles, o próprio dilema de representar em palavras, as sensações e emoções que envolvem o sexo, sobretudo, como autora intelectualizada e estreante no gênero. "Esse negócio escrever é penoso", confirma Crasso ao procurar exprimir uma volúpia física que ele mesmo considera "indefinível".
Se você é admirador de Hilst, não hesite na compra. Porém, se você jamais leu seus livros, mas encara a literatura como uma forma de reflexão que ultrapassa o mero entretenimento, esse é um risco que merece ser corrido.