É raro um livro ser lançado no Brasil e eu não estar esperando. Com quase três anos de blog e um ano pesquisando futuros lançamentos é uma surpresa tremenda encontrar algo que, digamos, escapou do meu radar. Além de ser uma surpresa é ótimo quando isso acontece e o livro do britânico Nathan Filer se encaixa nessa categoria. Não estava esperando, não tinha ouvido falar dele e foi maravilhoso. Pela segunda vez recebo da Rocco um livro que traz para o foco personagens com doenças psiquiátricas e pela segunda vez tenho o prazer se ser maravilhada e emocionada com uma história assim.
Essa é a história de Matthew, o garoto que estava acostumado a ser apenas o irmão mais novo de Simon e que muitas vezes era impaciente e grosso com o irmão simplesmente por Simon ter mais atenção do que ele. Isso até Simon morrer. Depois que Simon morreu, Matthew começou a sentir falta das pequenas coisas que seu irmão fazia. Portador de síndrome de Down, Simon sempre foi diferente de um jeito especial, desde a forma que ele valorizava pequenas coisas até o modo de falar e perguntar certas coisas. Após a morte do irmão Matthew passou por tempos difíceis com a mãe, parou de ir ao colégio e passava os dias em casa. Mas essa não é uma história linear. Quem nos conta isso é o próprio Matthew, hoje no começo da vida adulta e preso a uma rotina de remédios, agulhadas e enfermeiros irritantes. Passando três dias no centro para o tratamento comunitário Matt começa a contar sua história e ela não é linear, do começo até o fim. E enquanto acompanhamos sua vida após a morte do irmão acompanhamos também sua luta presente. E a culpa que ano após ano cresceu dentro de si, piorada com a serpente que escorrega, nome pelo qual chama a esquizofrenia. Passado e presente se colidem quando ele começa a refazer suas memórias, a colocá-las para fora. Um caminho de dor, perdão e descobrimento.
É a partir daí que a história se desenvolve. De frente para trás e de trás para frente Nathan Filer desconstrói a vida de Matthew como um grande acerto de contas. A medida que a vida de Matthew vai sendo reduzida a lembranças e sensações conhecemos um personagem forte e brilhante. A narração é em primeira pessoa e a voz narrativa de Matthew é ora lírica e ora duramente nua e crua, o que torna o todo uma narrativa bela e cortante. Que emociona e perturba ao nos mergulhar em uma realidade que não conhecemos. A ambientação é outro ponto que casa com a narração de Matthew, suas observações acerca do ambiente e dos lugares onde está são minuciosas, com foco em detalhes que fazem diferença e que poucos notariam.
Filer não idealiza nem a doença nem os pacientes e menos ainda os profissionais que lidam com os pacientes. Alternando dias bons e ruins Matthew conta sua história com uma sinceridade arrebatadora e um olhar realista sobre a doença, sobre as pessoas e sobre o que o passar do tempo faz com nossa memória. Matthew se corroí pela culpa da morte do irmão e não suporta os medicamentos, que além de deixá-lo fora do ar agem de uma forma um tanto distorcida, mas paralela, para matar seu irmão de novo. O humor ácido de Matthew e seus comentários afiados sobre a própria situação e a vida no geral dão a leveza necessária a trama, transformando ainda mais a história e cativando o leitor. Rimos e choramos com a história de Matt e o fim é uma promessa, uma transformação pequena, mas realista e bela.
Leitura rápida, que flui em um ritmo cadenciado e que cativará o leitor e o instigará desde o primeiro momento. Nathan Filer surpreende em sua estreia com uma escrita extremamente sensível e fiel. Uma trama pouco vista na literatura principalmente tão bem desenvolvida quanto foi pelo autor. A edição da (...)
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