Aline T.K.M. | @aline_tkm 01/01/2015Como foram capazes de algum dia esquecer um autor como David Foenkinos?O escritor em crise. Em torno desta imagem gira a trama “autoficcional” de Quem se lembra de David Foenkinos?, sexto livro do autor francês David Foenkinos. Após o sucesso de sua obra de estreia, seguiram-se romances que não emplacaram, e o escritor foi caindo no esquecimento do público. Mas, por que fracassara? Será que a inspiração para um novo romance incrível não voltará a surgir?
David Foenkinos persiste. Ele acredita que a grande ideia está para surgir. E ela de fato surge, durante o trajeto Genebra-Paris de trem, só que lhe foge da cabeça de maneira igualmente repentina.
Enquanto a tal ideia genial não volta a aparecer – e ele tem certeza de que voltará –, David mergulha num poço cada vez mais fundo. O casamento em vias de desmoronar, a constatação de que a filha já é uma pessoa adulta, a aproximação da velhice, a insegurança e falta de autoconfiança. Mas ele está disposto a tudo para recuperar a ideia perdida e fazer com que todos voltem a se lembrar dele.
Que a figura do escritor é coberta de romantismo e idealizações, todos nós sabemos. E que o escritor em crise criativa, por sua vez, não é tema dos mais inovadores, disso também sabemos. Foenkinos, no entanto, consegue se deslocar do lugar-comum ao colocar a si mesmo no centro de sua ficção. Usando de ironia, ele expõe sua própria situação – o escritor esquecido, cujos últimos romances não obtiveram êxito – e entra na pele do protagonista da trama; ou vice-versa. Um artifício por si só bastante curioso, eu diria.
Se para o leitor tal proposta tem algo de louca, é melhor que vá se acostumando: a David Foenkinos (o personagem) não lhe faltam ideias assim meio fora da curva, bem como atitudes às vezes impensadas, para o deleite de quem lê. Apesar disso, a sucessão de revezes faz com que o narrador-protagonista dirija um olhar mais apurado à própria vida e aos que fazem parte dela, desembocando num caminho para o autoconhecimento e para a correção de alguns erros que vinha cometendo mesmo sem perceber.
Afinal, foi preciso que o David Foenkinos-personagem chegasse ao fracasso para notar o comodismo e a cegueira cotidiana em sua vida. Para ser impelido a tomar algumas atitudes, que no fim só podem fazer bem a todos. Já o David Foenkinos-autor, com a prosa ágil e saborosa de sempre, soube fazer de um período crítico de sua carreira de escritor algo realmente digno de atenção, tirando o melhor proveito do caos.
Finda a leitura, não pude deixar de me questionar: como é que foram capazes de algum dia esquecer um autor como David Foenkinos?
LEIA PORQUE...
A vida imita a arte e a arte imita a vida. E porque é David Foenkinos e sua escrita é uma delícia de ler – para quem não lembra, ele é o autor de A Delicadeza, que foi adaptado para o cinema e tem Audrey Tautou como protagonista.
DA EXPERIÊNCIA...
Já era fã do autor; agora, mais ainda!
FEZ PENSAR EM...
Viagens de trem, o destino e as peças que ele nos prega.
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