O Banquete

O Banquete Platão




Resenhas - Diálogos de Platão - O banquete


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Ana Paula Martins 25/01/2024

Antigo, mas atual
É muito interessante ver um diálogo inteiro sobre o amor, com a visão de 7 pessoas. Nesse livro li ideias sobre o amor que nunca tinham vindo racionalmente a minha mente, mas emocionalmente já tinham. Além disso, por mais que o discurso de Sócrates exponha as falhas dos demais discursos, de cada um deles dá para aproveitar alguma coisa. E o discurso de Sócrates é uma das coisas mais bonitas e reais que já li sobre o amor. Vale a leitura! Dá pra perceber que muitas coisas atuais bebem dessa fonte.
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Marc 16/08/2018

Há quem diga que todo aquele que se aventura pelo conhecimento tem a obrigação de conhecer dois autores antes de todos os outros, e principalmente antes dos modernos, Platão e Aristóteles. Não posso deixar de lamentar, no entanto, que muitos daqueles que se colocam esse projeto, acabam caindo no entendimento (ou falta de) mais básico possível, se deixando levar por frases prontas. Infelizmente, Platão é o filósofo do mundo das ideias e Aristóteles do mundo concreto. Dizer isso é tão simplista que deveria até ser vergonhoso, mas há quem passe como intelectual repetindo essas bobagens. Nesse tipo de arranjo, seria sempre vantajoso pular Platão e ir direto a Aristóteles, porque ele já fez a crítica e porque não era um idealista. Só que se levarmos esse raciocínio ao limite, o negócio mesmo é estudar os mais modernos, os últimos mesmo, porque estaria contida em seu pensamento toda a história e não precisaríamos nos dar ao trabalho de estudar os autores do passado. O problema é que por mais surpreendente que pareça, Platão não fez outra coisa se não estudar e tentar compreender a realidade. Ele não sentou um dia e disse que tudo vinha do mundo das ideias e pronto, bastaria escrever alguns livrinhos defendendo essa tese para que o restante da humanidade se visse obrigada a lê-lo até o fim dos tempos. Platão lida diretamente com a realidade e está interessado em explicá-la. Quando escreve, tenta chegar a uma explicação universal sobre o comportamento humano e como ele se relaciona com o universo, com algo mais amplo. Por esta razão, pela capacidade de lidar com a realidade, é que seu pensamento jamais foi superado e continua sendo alvo de descobertas até hoje.

Ler Platão não é das tarefas mais simples. O texto engana, por não ter nenhum jargão e ser estruturado como diálogo, o que parece mais informal, mas a complexidade de seu pensamento é de assustar. Por essa razão, não me considero habilitado para tentar uma interpretação sobre o texto, vou apenas mencionar onde estou em termos de compreensão. É uma resenha que serve mais para mim do que para qualquer outra pessoa. Espero, um dia, poder dizer que consegui um entendimento satisfatório. Platão é complexo, escreve de modo esotérico muitas vezes, sutilmente irônico. Por exemplo, o acordo é que o discurso mais belo e digno se tornará o vencedor. Sócrates fica por último e avisa que não quer falar de modo belo, quer apenas alcançar a verdade. De fato, seu discurso não é o mais belo, nem aquele com mais belas expressões, com a melhor retórica, mas todos o consideram o vencedor ao final. O que Platão poderia estar dizendo realmente com isso?

Para começar, acredito que só podemos entender esse aplauso à luz de toda a história de Sócrates e de como foi condenado à morte por seus concidadãos. Platão denuncia, na esteira de seu mentor, uma sociedade corrompida, que dá mais importância à aparência, ao mundo material, desprezando a verdade e a sabedoria. Os hipócritas que aplaudiam Sócrates são os mesmos que vão deixá-lo ser condenado, alguns até o acusando. Dessa forma, muito sutilmente, Platão estabelece que Atenas é uma sociedade hipócrita, que desvia do bem e da sabedoria, embora repleta de belezas e discursos memoráveis, mergulhando fundo num poço de iniquidade, de cinismo. Se Atenas buscasse a verdade e o bem, Sócrates não seria bovinamente aplaudido, mas teria suas teses debatidas e seguidas. Aqueles que o louvavam não perdoaram sua sabedoria jogando luz sobre a ignorância e preferiram deixá-lo morrer a seguir seus ensinamentos. Isso vale, inclusive para uma parte de seus discípulos, que só faziam reproduzir suas falas, sem compreender realmente o sentido do que estava sendo dito.

Desta forma, embora o relato pareça prejudicado por não ter uma testemunha presencial, Platão envereda pela apresentação de seu pensamento de que o verdadeiro filósofo tem conhecimento da essência e não apenas do fenômeno. Para ele, que tinha amor pela sabedoria, coisa que aprendeu com Sócrates, era possível reviver, reinventando, os diálogos deste sem deturpar seus ensinamentos. Já não se pode dizer o mesmo de Apolodoro e Aristodemo, que tentam emular o mestre. Embora pareça deslocado, o comentário se justifica porque indiretamente Platão está mostrando que Sócrates é diferente de seus discípulos e não pode ser julgado por tudo aquilo que fizeram. E entre eles, o pior talvez seja Alcibíades, o tirano e traidor, que levou Atenas perto da destruição e havia sido discípulo de Sócrates, por quem ainda estava apaixonado.

Ao contrário, o próprio Sócrates mostra qual a verdadeira postura de um filósofo ao citar Homero no começo do texto, ainda. Não é uma citação literal, mas que remete à essência do que o poeta queria dizer. Desta forma, quando os discípulos de Sócrates estão preocupados em reproduzir de modo fiel a fala do mestre, estão se tornando apenas formalistas, engessando o saber na forma e percorrendo o caminho contrário do caminho que leva à verdade. Quando se refere ao comportamento deles, Platão abre para questões que ainda são importantes para nós atualmente, como essa, do mimetismo. Ele entende que a cópia não consegue se corresponder diretamente com a verdade, que ela praticamente engessa a possibilidade do saber.

Antes de discutir as falas, é importante comentar sobre a questão da homossexualidade, pois o entendimento de Sócrates vai se relacionar diretamente com o significado do erótico e do saber. Para os gregos não havia tolerância em relação ao homossexualismo, como se tornou regra dizer. Ao contrário, a relação de amor era uma pedagogia, onde o homem mais velho ensinava ao mais jovem sobre a vida, enquanto poderia fruir de sua beleza. Mas não havia penetração, isso era considerado desonroso e reservado apenas ao sexo reprodutivo, com as mulheres. Quando Sócrates se inflama pela beleza de algum jovem, está incluído o desejo de transmitir saber e conduzi-lo para o caminho da busca pela verdade. Isso é tão verdadeiro que ele ironiza a relação de Agatão e Pausânias, que prossegue, mesmo depois que o primeiro já se tornou um adulto e, sabidamente, onde ocorre penetração. No entendimento da sociedade da época, eles são pederastas, o que é muito grave.

Para Sócrates, a relação erótica é uma relação de busca pelo saber, o que define Eros. Não que a beleza seja desprezada, longe disso, mas há o entendimento claro de que não se trata de homossexuais, como nós entendemos modernamente. A relação é uma oportunidade de ensinar ao jovem a filosofia, de despertar nele o desejo pelo bem e pelas coisas mais elevadas que existem na vida. Assim, o saber não é uma obrigação, uma profissão, uma tarefa, mas um sentido na vida, onde se investe todo o desejo da existência para buscar a verdade e se afastar do mal. Se alguém não o faz, sua vida está perdida, de certa forma. Podemos entender, portanto, porque é tão importante conduzir os jovens para esse caminho. A alternativa é a ignorância, que aparece como um profundo nada, um vazio sem sentido, a negação de nossa realização, algo desumano. Isso fica ainda mais visível quando Alcibíades aparece, embriagado, tomado de desejo sexual por Sócrates e inconformado com sua recusa. Sócrates deixa claro que não há desejo pelo corpo, que o filósofo deve controlar seus impulsos, dominá-los, não ser vítima deles e ceder. Enquanto Alcibíades trazia um mundo dionisíaco, de desejo desenfreado, daquele que quer se unir ao amado de qualquer maneira, Sócrates deseja apenas o saber, o conhecimento da verdade, a liberdade que esta nos traz e a transcendência da prisão que o mundo material, se entendido de modo restrito, nos lega.

Quando o banquete começa, os presentes decidem oferecer discursos a um dos deuses, Eros, decidindo depois qual deles é mais digno da divindade. Acontece que desde o primeiro, só o que vemos é a exaltação da vida de cada um. Pausânias nos conta que o amor deve se dirigir à alma, não ao corpo e parece dizer algo parecido ao que Sócrates diria, mas está apenas se justificando perante todos para continuar sendo amante de Agatão. Erixímaco, o médico, procura dizer que Eros é uma espécie de profilaxia, que ajudaria a alcançar o bem e o belo, mas apenas exalta a materialidade, desprezando aspectos mais elevados da essência. Mais grave ainda, associa o bem à ausência de conflito, ou seja, à consonância: “Os elementos reciprocamente inimigos são os contrários: calor e frio, amargo e doce, seco e úmido, e tudo o mais do mesmo gênero. Foi por saber insuflar amor e concórdia nesses elementos que o nosso antepassado Asclépio, no dizer dos poetas aqui presentes, do que também me declaro convencido, fundou nossa arte [a medicina].” (p. 109).

O famoso discurso de Aristófanes sobre o andrógino insere comicidade e grotesco, como se os deuses fossem capazes de criar um ser tão ridículo que não seria capaz de andar ereto, mas precisaria rolar para se locomover. Para o poeta, Eros seria o mais amigo dos deuses, porque depois da cisão das metades dos andróginos, faria com que cada um desejasse encontrar sua antiga metade. Já Agatão, o belo e jovem poeta premiado, é de todos foi o mais ironizado por Sócrates. Completamente envaidecido com sua beleza e capacidade retórica, faz de Eros uma versão de si mesmo, desprezando aquele que não é belo. Sócrates mostra o patético da crença de que Eros só deseja o belo, afinal buscamos aquilo que não temos, o que faria dele o mais horrível dos deuses.

Enfim, o encadeamento dos discursos mostra que os homens dão início a suas atividades para louvar os deuses e terminam mergulhando em vaidade, grotesco, crueldade, perversidade. Não houve nenhum deles preocupado com a divindade e sim em defender ou incitar outros a seguir seu estilo de vida. Poderíamos dizer que Platão percebia que toda a vez que a verdade some do horizonte dos homens, não importa o fim a que se destinam, o resultado é sempre desprezível. Isso ocorre porque o abandono da verdade conduz a um materialismo exacerbado, limitando os homens ao efêmero das formas concretas. Esse mergulho é tão profundo, que Agatão termina substituindo a divindade de que falavam. Veja bem: ele coloca o homem no lugar de Deus. Ora, isso em alguma medida lembra a história da humanidade? Mais uma vez, Platão é sutil e irônico sobre a condição dos homens. E faz uma profecia que se realizou perfeitamente, mostrando que a entrega ao materialismo leva ao ateísmo, à destruição do homem e onde as filosofias assassinas e niilistas crescem fortes em terreno fecundo.

Todas as falas, por mais diversificadas que sejam, ainda estão todas de acordo com a opinião dominante da época, apenas Sócrates acrescenta algo novo e que consegue romper com a doxa. Está aí a diferença essencial entre ele e os demais. Mesmo quando respaldado por um discurso científico, como é o caso de Erixímaco, o discurso não questiona as verdades absolutas da sociedade e não faz com que o pensamento avance em direção a verdade. Pode-se dizer que o pensamento começa recolhendo todos os dados que lhe são oferecidos, elabora-os e depois mostra onde estão afastados da verdade e como corrigir esse desvio. Entender isso é importante para perceber porque Platão considera que a sociedade é corrompida (não se trata de uma conceito moralista, como poderia parecer) e se volta contra Sócrates pedindo sua morte. Ele tocou diretamente nas falsas verdades que dominavam o imaginário da época e isso, invariavelmente, ofende a todos.

Quando Sócrates começa a explicar quem é Eros e como ele atua sobre os homens, muitos leitores simplesmente se desligam e apenas passam pelas páginas, inebriados pela imagem fantástica (e romântica) dos andróginos, já pensando em contar para alguém essa história. Mas o melhor ainda está por vir.

Diotima, a sacerdotisa que instruiu Sócrates sobre Eros, lhe pergunta se é correto esperar que alguém que já possua algo continue desejando-o e lute para consegui-lo. A resposta, evidentemente, é que não. Logo, Eros não pode ser belo, nem sábio, nem mesmo um deus. Ele é algo intermediário, que está entre os homens (ignorantes) e os deuses, que são sábios. Por essa razão, Eros busca a sabedoria e auxilia os homens nessa caminhada: “a sabedoria é o que há de mais belo” (p. 153). Pela mesma razão, incita os homens a procurar a beleza para se reproduzir, para que a vida prossiga e mesmo com a morte do indivíduo, algo sobreviva e seja transmitido aos mais jovens. Nesse ponto, ao contrário do que era verdade estabelecida no período, aparece a defesa do sexo voltado à reprodução como algo natural e belo, com sentido e necessidade. Assim como Eros procura almas belas para que a sabedoria seja transmitida. Por essa razão, a relação dos homens não pode ser sexual e por isso Sócrates critica Agatão e Pausânias. A sabedoria, ou melhor, o desejo pela verdade, através do questionamento, deve ser ensinado para os mais jovens até que eles se tornem homens e deem sequência ao ciclo. Se os homens não buscarem a verdade, a ignorância os fechará em um ciclo de maldade, onde se distanciam cada vez mais do que é belo e bom. “A ignorância apresenta esse defeito capital: é que, não sendo nem bela nem boa bem inteligente, considera-se muito bem-dotada de todos esses predicados. Quem não sente necessidade de alguma coisa, não deseja vir a possuir aquilo de cuja falta não se apercebe.” (p. 153).

Mas o verdadeiro saber, que é o conhecimento do belo, só vem depois de um longo caminho. Começamos por enaltecer a beleza individual, presos ao indivíduo que possua tal atrativo. Mas isso dura pouco, porque percebemos que há outros tão ou mais belos que aquele que amamos. Esse é o primeiro passo verdadeiro no caminho da descoberta da beleza. Em seguida, passamos a admirar as ações, o que nos leva a algumas conclusões: a primeira é que uma bela alma, aquela que procura agir para o bem, pode habitar um corpo feio, sem beleza alguma; depois, se o que importa é a alma, podemos perceber isso através de suas ações, ou seja, isso pode ser expresso nas leis e costumes. Aqui já estamos completamente livres da prisão do amor pelo indivíduo, tendo uma vaga ideia de que há algo intangível e mais importante. Para apreender as leis e costumes, precisamos nos dedicar às ciências, que nos auxiliam em sua compreensão. Dali para frente, só nos interessa o conhecimento, ou seja, o Eros se volta inteiramente para a busca da verdade e do belo.

Embora pareça esquemático, o caminho é complexo e vai ser mais bem descrito em outros textos de Platão. Aqui, no entanto, é suficiente entender que não há desprezo do mundo material, mas o estabelecimento de prioridades, porque o belo não sofre ação do tempo e nem de nenhuma contingência. É isso que Eros deve nos auxiliar a almejar, porque se ficamos restritos ao mundo corpóreo, nos tornamos, aos poucos, servos de nossos desejos, como bem o demonstra a fala de Alcibíades, no fim do texto.

A imagem de Alcibíades é a de Dionísio, o Deus do vinho e do desregramento, que aparece como símbolo de sabedoria materialista no ateu Nietzsche. Mais uma vez, com uma capacidade espetacular de se antecipar séculos ao que outros pensariam, Platão mostra que o amor ao corpo não nos livra, não nos torna senhores do desejo, mas seus escravos e essa é, sem meias palavras, a tragédia de nossa época. Estamos entregues ao desejo, incapazes de estabelecer vínculos que não sejam os sexuais ou econômicos, ou de qualquer interesse imediatista. Alcibíades supõem ter algum direito sobre Sócrates e fica desapontado quando esse não demonstra interesse sexual por ele. Mais ainda, Alcibíades o constrange na frente de outras pessoas, imaginando, assim, conseguir chegar mais perto de satisfazer seus desejos, mas falha novamente.
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