Elise 21/09/2016Viagem ao século XIX O que Goethe, Marx, Baudelaire e Dostoiévski têm em comum? O século XIX, a "modernidade". Eis a proposta do autor de "Tudo que é sólido": compreender a modernidade do final do século XX por meio desses escritores, já que eles tiveram uma experiência tão intensa quanto a nossa com a era da velocidade e da falta de pertencimento ao mundo.
Primeiro somos apresentados a Fausto, protagonista da obra de Goethe, que ilustra o progresso - com todos os seus benefícios materiais, mas também com os seus custos humanos (literalmente, nesse caso). Depois, somos convidados a folhear o "Manifesto Comunista" e analisar os belos ideais de Marx, permeados de metáforas curiosas (como o calor humano gerado pelas pessoas representando a necessidade da união); mas, também, de certas contradições (Marx afirma que as crises sucessivas implodirão o capitalismo, e, em outro ponto, diz que essas crises só fazem fortalecer a ordem burguesa, já que a impulsiona a se reinventar).
Marshall, então, volta sua obra para a discussão da cidade, talvez o maior símbolo moderno, e para isso recorre a Baudelaire e seus contos de "Spleen de Paris": a cidade pode funcionar ora como um lugar para troca de experiências entre as classes ou como um ambiente privado que mantém e acentua o status quo, no qual só aqueles que têm carruagens (séc XIX, tsc tsc) podem circular (eis o motivo pelo qual as ruas de Paris eram feitas de macadame na época, um material que fica lamacento no inverno e poeirento no verão, coisas não muito agradáveis aos pedestres). Finalmente, chegando ao ponto alto do livro, na minha opinião, nos deparamos com "a janela para a Europa" - São Petersburgo - e seus gênios - Púchkin, Gógol e Dostoiévski. Vibramos com o homem ordinário de Púchkin e com o homem do subterrâneo de Dostô quando eles enfrentam, respectivamente, o cavaleiro de bronze e o alto funcionário, metaforizando a (tentativa de) quebra da rígida sociedade russa e a luta por igualdade. Já com Gógol, somos levados a um passeio surrealista e cubista (aqui o anacronismo é permitido, como explica Marshall) pela Avenida Névski, e enriquecemos as ideias adquiridas primeiramente com Baudelaire sobre a cidade moderna. Por último, o autor dedica um capítulo ao seu próprio contexto: Nova York dos anos 60 e 70.
Ao terminar a leitura de "Tudo que é sólido desmancha no ar", não encontramos respostas às indagações das mulheres e homens modernos. Porém, de fato, o autor já havia nos alertado disso no início do livro: sua proposta não era solucionar nossos celeumas, mas sim analisá-los a fim de provocar reflexões para que nós busquemos nossas próprias soluções.
Quero enfatizar que, mesmo que o leitor não esteja familiarizado com a obra dos escritores supracitados, conseguirá aproveitar o livro tanto quanto quem está. Por exemplo: eu mesma tinha lido apenas livros de Dostoiévski; no entanto, Marshall possui uma linguagem acessível, e pude compreender os pensamentos de Goethe, Marx e Baudelaire. É importante ressaltar, todavia, que o assunto não é esgotado, muito pelo contrário: fiquei com mais vontade ainda de ler "O Fausto" e o "Manifesto", além de querer reler "Memórias do Subsolo" (afinal, muitos pontos apontados pelo autor eram inéditos para mim, apesar de eu ter lido o livro). Assim, não há desculpa para não ler essa obra: ela é para todos os curiosos que estejam dispostos a embarcar numa viagem ao século XIX permeada por literatura, economia e urbanismo.