joao.vitor. 14/10/2023
"Sede sóbrios e vigiai" (cf. 1 Pd 5, 8)
O livro “Vade retro, Satanás!” foi escrito pelo sacerdote e exorcista italiano Pe. Gabriele Amorth (1925-2016) e foi lançado em 2013 pela editora Canção Nova. Ao longo de 87 páginas, o autor se propõe, sobretudo, a desvelar o lado mítico da figura do exorcista, bem como o “modus operandi” do Inimigo na vida do ser humano, e a libertação do mal por meio da oração. Nesse sentido, gostaria de destacar alguns dos incríveis aprendizados que tive com a leitura da obra.
Ainda hoje propaga-se uma representação fortemente deturpada do exorcista, sendo a sua faceta mais explorada - em especial pelos meios de entretenimento - o ato de realizar a expulsão de espíritos malignos da vítima acometida. No entanto, Amorth (2013, p. 48, ebook) preleciona que a atividade mais rotineira de um exorcista é auxiliar as pessoas a encontrar a salvação, bem como tranquilizar aquelas que, após consultarem indivíduos que – supostamente - têm o dom da vidência, acreditam estar sendo vítimas de malefícios advindos de bruxaria. Assim, "o mínimo do tempo do exorcista é dedicado aos exorcismos, precisamente porque a possessão ou mal maléfico são raros [...]" (AMORTH, 2013, p. 48).
Há, também, outra questão muito interessante. O sacerdote exorcista, quando atesta a necessidade de exorcizar, muitas vezes conta com o auxílio de assistentes para realizar aquele ato. E, uma vez que a libertação de um espírito maligno não é de mérito próprio do exorcista, mas efeito da intervenção de Deus (AMORTH, 2013, p. 48, ebook), pois foi Ele que lhe concedeu este dom sobrenatural, é fundamental que tanto o sacerdote quanto aquele que lhe presta ajuda seja vivente na fé, ou, nas palavras de Pe. Amorth, "de grande oração" (2013, p. 49, ebook), assumindo, com a sua vida, o seu amor por Jesus. Como nos ensina São Tiago, poderosa e eficaz é a oração de um justo (Tg 5,16), pois a sua atitude é perseverante e cheia de confiança nas promessas do Senhor.
Ademais, segundo Pe. Amorth (2013, p. 49), o exorcista e aquela pessoa que for assisti-lo também devem ser capazes de desenvolver um certo nível de controle sobre as suas reações emocionais. Portanto, é necessário que mantenham absoluta discrição tanto sobre processo de exorcismo, quanto acerca das pessoas que dele participaram, e nem mesmo contar sobre o ocorrido para a própria vítima do exorcismo (AMORTH, 2013, p. 50).
Vale destacar, ainda, que o sacerdote exorcista também deve ter conhecimento se a vítima que ele for ajudar tem uma vivência verdadeiramente cristã ou não (AMORTH, 2013, p. 52). Pois é possível libertar o possesso da influência maligna somente com o auxílio das orações e dos sacramentos da Igreja (AMORTH, 2013, p. 53).
Outrossim, é importante frisar acerca da libertação do mal através da oração, que deve ser o sempre o primeiro recurso do qual devemos nos utilizar. Um exemplo bíblico que gosto de relembrar é aquele em que Nosso Senhor Jesus realiza a cura de um menino que estava possesso por um espírito maligno (cf. Mc 9, 14-29). Jesus foi capaz de curar aquele menino, porque o pai dele acreditou nEle, ao clamar ao Senhor, com confiança e humildade, que aumentasse a sua fé. Ademais, não nos esqueçamos dos sacramentos da Igreja, instituídos por Nosso Senhor Jesus, como o sacramento da confissão e o da eucaristia, que estão intimamente ligados, e nos recordam o amor e a misericórdia de Deus pelos Seus filhos.
Mediante o sacramento da confissão, somos libertos do pecado que nos afastou da graça de Deus, e seremos menos indignos de receber o Corpo de Cristo, que tornou-Se o Pão Sagrado. Nesse sentido, precisas são as palavras de Pe. Amorth (2013, p. 52, ebook): "Com efeito, é inútil empenhar-se em receber orações de bênção se a pessoa estiver distante dos sacramentos; pedir a cura de um mal sem viver na graça de Deus seria, de fato, ludibriar Nosso Senhor". O exorcismo é, portanto, um recurso acessório, pois a eficácia da oração e dos sacramentos contra o mal vêm sempre em primeiro lugar.
Pe. Gabriele Amorth também nos ensina que é preciso reconhecermos o “modus operandi” do Inimigo, que ocorre, basicamente, de forma dupla. Primeiramente, a maneira de agir do Inimigo, denominada de ordinária pelo sacerdote (AMORTH, 2013, p. 17, ebook), se concentra nas tentações. O Inimigo, em seus ardilosos estratagemas, age com extrema cautela, não tendo pressa em aplicá-los; porém, conforme nos alerta o exorcista, recordando-se de uma de suas sessões, num diálogo pessoal com o Inimigo, “[...] independentemente dela [da monotonia do Diabo], nós, homens, sempre caímos em suas ciladas. O esforço maior do Demônio consiste, pois, na pura e simples tentação” (AMORTH, 2013, pg. 18, ebook).
É nessa conjuntura que Santo Tomás de Aquino (Meditações para a Quaresma. Niterói: Permanência, 2020, pg. 14, ebook) instrui-nos que uma das circunstâncias especiais inerentes à tentação é aquela gerada pelo próprio Inimigo. Em casos assim, não devemos evitar as tentações. Ora, poderíamos nos perguntar: por quê? Analisemos o exemplo de Jesus, que "estava no deserto quarenta dias e quarenta noites e ali foi tentado por Satanás" (cf. Mc 1, 13), mas obteve vitória sobre as tentações. Nosso Senhor Jesus, a Palavra que Se fez carne e habitou entre nós, precisou enfrentar o representante das forças do mal, e o venceu. Destarte, em meios às tentações, Jesus nos convida a não ficarmos ociosos em nossas obras de fé, mas, a exemplo dEle, cultivarmos a virtude da humildade e nos voltarmos a Ele para pedirmos, com fé, fortalecimento espiritual e perdão pelos nossos pecados. À semelhança dEle, somos chamados a enfrentar as tentações que nos afligem reconhecendo a onipotência de Deus Pai e a nossa necessidade da Sua misericórdia, também renegando tudo aquilo que nos conduza para o mal. Pois, tendo Ele próprio sofrido ao ser tentado, é capaz de vir em auxílio aos que agora sofrem a tentação (cf. Hb 2,17-18). Como bem ensina o Doutor da Igreja, Satanás está "sempre invejoso de quem se esforça para ser melhor" (AQUINO, Tomás de. Meditações para a Quaresma. Niterói: Permanência, 2020, pg. 14, ebook).
A segunda maneira de agir do Inimigo, dá-se através dos chamados “males maléficos” (AMORTH, 2013, p. 20, ebook) – pois são os mais gravosos, atribuídos a uma ação direta do Inimigo, e não simplesmente estímulos físicos e experiências sensoriais (de origem psicofísica). Os males maléficos se subdividem em seis espécies, quais sejam: a possessão, a vexação, a obsessão, o assolamento, os distúrbios físicos e a dependência demoníaca. Identificar cada um deles é de muitíssimo proveito a fim de prevenir-se ou mesmo curar as pessoas que deles estejam a padecer. No entanto, com o intuito de não esgotar o assunto, me aterei, brevemente, apenas em relação à possessão e à dependência demoníaca.
Certamente a mais popular das formas de ataque do Inimigo, a possessão é também a mais grave delas. No dizer do autor, “quando ocorre esse mal diabólico, tem-se quase a impressão de que o Demônio está dentro do ser humano, apoderando-se dele a ponto de servir-se de sua boca para falar (mesmo sendo o Demônio quem fala, e não a pessoa), ou de seus membros, ocorrendo então aqueles fenômenos extraordinários, quase teatrais, que, na maioria das vezes, ocupam o imaginário de pessoas comuns e pouco informadas” (AMORTH, 2013, p. 21, ebook). Uma possessão consiste, portanto, nos casos em que o Demônio detém completo domínio do corpo da pessoa, estando a mesma submetida à fala, ações e movimentos corporais involuntários.
Uma outra espécie de distúrbio maléfico que Pe. Gabriele Amorth nos expõe é conhecida como dependência demoníaca. No dizer do padre exorcista, esta “[...] se concretiza quando uma pessoa assume o assim chamado pacto de sangue com Satanás, ou seja, submete-se com vontade plena, com plena adesão, às dependências de Satanás, tornando-se sua escrava, quiçá para obter em troca favores ou sucessos humanos” (AMORTH, 2013, p. 29). Destaque-se: o “pacto de sangue” a que o sacerdote se refere não é, necessariamente, aquele que é exaustivamente divulgado pela ficção, mas sim a submissão da alma humana ao Inimigo.
A dependência supracitada pode ser identificada quando a própria pessoa, desprezando os sublimes ensinamentos sagrados, sobretudo o Amor de Deus, decide-se por viver conforme os instintos egoístas do seu coração. O alicerce de sua vida passa a ser a valorização descomedida de tudo aquilo que é mundano, e contrário à doutrina cristã, como a dependência de drogas ilícitas, do álcool, de aspectos inerentes ao sexo, do dinheiro, entre tantas outras. E, por consequência, sua vivência vai, aos poucos, se debilitando, até que, se nada for feito para reverter com eficácia tal quadro, se não houver um sincero arrependimento em vida, restará feita a sua condenação à tribulação eterna. A respeito disto, e também enunciando a saída para tal situação, vale destacar o pensamento de São Tomás de Aquino: “O pecado vai dominando cada vez mais o homem, e este, por si mesmo, coloca-se em tal estado que não pode mais se levantar. É como alguém que se lançou num poço. Só pode sair dele pela força divina. Depois que o homem pecou, a nossa natureza ficou debilitada, corrompida, e, por isso mesmo, ficou ele mais inclinado para o pecado. Mas Cristo diminuiu essa fraqueza e debilidade, bem que não as tenha totalmente apagado. O homem foi fortalecido pela Paixão de Cristo e o pecado, enfraquecido, de sorte que este não mais o dominará. Pode, por esse motivo, auxiliado pela graça divina, que é conferida pelos sacramentos cuja eficácia recebem da Paixão de Cristo, esforçar-se para sair do pecado” (AQUINO, Tomás de. Meditações para a Quaresma. Niterói: Permanência, 2020, p. 66, ebook).
Aproveitemos, pois, o chamado à santidade feito por Deus e que é destinado a todos nós, seus filhos! Confesso que seria muito mais fácil, como de fato o é, seguir a porta mais larga, ao invés da mais estreita. Mas, em meio ao mundo hodierno tão atribulado em que vivemos, oremos, e oremos muito para que consigamos enfrentar de cabeça erguida as provações que o Pai permite que passemos. Peçamos também a poderosa intercessão da Virgem Maria, nossa Mãe, em nosso auxílio! O conselho do apóstolo São Paulo aos efésios nos vem em momento oportuno: “vocês devem deixar de viver como viviam antes, como homem velho que se corrompe com paixões enganadoras. É preciso que vocês se renovem pela transformação espiritual da inteligência, e se revistam do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade que vem da verdade” (cf. Ef 4, 22-24).
Por fim, deixo aqui a minha recomendação para a leitura do livro. Sua pequena quantidade de páginas não oculta a riqueza do seu conteúdo, que nos é de extremo aprendizado. Estejamos vigilantes aos sintomas dos ataques do Inimigo!