spoiler visualizarThais Lima 15/12/2019
Estupradores podem ser tratados como príncipes salvadores?
Tinha prometido a mim mesma que não leria a sequência da Trilogia Minha; havia prometido que pouparia de mais desgosto e raiva que sabia que consequentemente viria a sentir do “mocinho” da história, que entrou com certeza para minha lista de homens mais escrotos da literatura. Entretanto eu sou uma pessoa que simplesmente tem um problema muito grande em deixar coisas inacabadas, e isso se aplica a livros. Então decidi dar sequência a essa tortura apenas para não ter essa formiguinha me incomodando.
Somente Seu é a sequência direta de Em Sua Companhia. O livro narra a continuação do drama deixado no final do primeiro, com Verônica sendo obrigada a abandonar Adrian porque foi ameaçada pela mãe do mocinho e a mulher que também é apaixonada por ele. Adrian obviamente não acredita em Verônica, não é surpresa nenhuma que um homem escroto como ele não dê crédito nenhum a mulher que diz amar.
Além disso ainda há Charles Hertman, antigo cliente e Dominador de Verônica, um homem completamente perturbado mentalmente que acredita piamente que ela lhe pertence e deve servi-lo como Submissa, coagindo-a a fazer o que ele quer. Encurralada e precisando pagar o tratamento da mãe, Verônica se vê obrigada a voltar para a prostituição. O que acaba não acontecendo de fato porque Adrian e ela acabam tombando no hotel e ele arma uma confusão para afastá-la de Charles. E acabam descobrindo que Verônica está grávida.
A escrita de Brooke J. Sullivan segue sendo uma escrita pobre e sem nenhum atrativo; não parece que a escritora tenha cuidado da maneira que descreve situações. Além da narração porcamente escrita, ainda temos os diálogos que são risíveis de tão bregas (não só os diálogos, mas todos os pensamentos dos personagens sobre o amor que sentem um pelo outro são bem ruins). Talvez seja pelo desgosto que adquiri pela história e pelo casal protagonista? É provável. Mas em comparação a romances que eu li esse ano, a escrita de Brooke não é atraente; é fácil de ler, mas não é gostosa. Dá uma certa vergonha alheia, inclusive.
Verônica é estuprada duas vezes nesse livro. Uma delas, inclusive, pelo próprio mocinho. Mas vamos falar do primeiro, certo?
Charles aparece no apartamento de Verônica transtornado. Ele a amarra contra sua vontade, tira sua roupa, alisa seu corpo e a espanca com um chicote, deixando a garota com diversos cortes e machucados nas nádegas e nas costas. Brooke J. Sullivan parece pensar que estupro apenas existe se houver penetração, o que não é verdade. Segundo a lei no 12.015, determina que estupro é “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Isso se enquadra na situação de Verônica e Charles, então sim, ela foi estuprada. Então, querida autora, se você pensou que estava nos poupando de um trauma de ver a mocinha sendo estuprada, você não poupou. Charles penetrando-a ou não, ali já houve um estupro SEGUNDO A PRÓPRIA LEI!
Mas Charles é o vilão, então um estupro cometido por ele diante do tema do livro e da maneira doentia que ele deseja Verônica é esperado. Mas e quando o estupro vem do próprio mocinho? Que acaba, aliás, sendo tratado como algo maneiro, romântico e sexy?
“ — O que está fazendo?
— Tocando você — sussurro em seu ouvido e ela solta um gemido curto. Coloco sua calcinha de lado e enfio meu dedo dentro dela. Agora, ela solta um longo gemido me deixando de pau duro.
— Para com isso, Adrian. Não posso. Não quero — ela diz baixinho.
— Não perguntei se quer — digo em seu ouvido. Afasto-me e tiro minha mão de sua boceta. Deslizo sua calcinha pelas pernas e a tiro jogando-a em cima do sofá.
— Pare! — Ainda estou com raiva de você — ela reclama e tenta me afastar. Seguro-a pelos braços e levo sua mão até meu pau para que ela sinta como ele está duro por ela.
— Ótimo — sussurro.
— Ótimo o quê? Tá louco?
— Digo ótimo. Sexo com raiva é sempre mais selvagem e eu gosto — eu digo e ela ri.
— Selvagem? Estamos no seu escritório, Adrian. Não tem nada de selvagem disso. Não podemos — ela diz parecendo cogitar a ideia de sair correndo.
Desafivelo meu cinto e abro o zíper da minha calça. Abaixo minha cueca e me enterro nela sem dar tempo para que pense. Apenas ouço seus gemidos baixos e tímidos.
— Eu ainda estou com raiva de você — ela repete entre gemidos.
— Sim, eu ouvi da primeira vez. — E a penetro devagar.”
Se você leu esse trecho e não viu NENHUM problema, leia de novo com atenção. Infelizmente muitas mulheres são estupradas por seus companheiros e nem se dão conta de que estão sendo estupradas. Afinal de contas, é seu namorado/marido, certo? Ele tem direito de fazer o que quiser, não?
Não é bem assim que funciona, mas infelizmente esse livro reforça essa ideia de que, mesmo quando a gente diz não, nossos companheiros tem direito de nos tomar a força. Que isso é um símbolo de virilidade, que é excitante. Mas não importa se é seu namorado ou seu marido; se você disse NÃO e mesmo assim ele te tomou a força, isso se enquadra como estupro. Adrian Miller É UM ESTUPRADOR! Vocês tem noção de como eu fiquei horrorizada quando li essa cena? Foi ainda pior ler essa cena do que a do Charles, porque dele nós esperamos esse tipo de coisa horrenda já que ele é o monstro da trama. Mas o mocinho? O homem que a mocinha ama? Eu fiquei simplesmente enojada.
Verônica disse não. Verônica pediu para parar. Verônica disse que não queria. A resposta de Adrian foi bem direta: NÃO PERGUNTEI SE QUER! É claro que a sequência dessa cena faz parecer que foi consensual, que ela gostou… Mas se atentem a ver como essa cena começou. Verônica poderia se sentir violada, como muitas mulheres casadas se sentem, mas não caracterizam como estupro por ter sido seus maridos. E mesmo assim, ela disse NÃO! Ele deveria ter se afastado no momento que ela disse que não queria, e ponto! Não tem “mas” nessa questão. Adrian a estuprou, tomou Verônica contra a vontade dela, ISSO É ESTUPRO! Então sim, o mocinho desse livro é um ESTUPRADOR! Já não bastava ser controlador, possessivo, psicologicamente descontrolado, agressivo, tóxico e abusivo… Agora se tornou um estuprador também. Essa cena foi pra mim muito mais traumatizante do que o Charles estuprando ela, como eu disse, dele nós esperamos isso.
Adrian também agride outra mulher nesse livro (no primeiro ele bateu na Verônica). Dessa vez ele mete o tapa na cara de Alana, a rival de Verônica. E nem venham me dizer que a Alana mereceu apanhar pelas coisas que ela fez. A decisão que ele tomou de demiti-la foi correta; bater nela, não.
O livro segue sendo problemático da mesma maneira: um relacionamento instável e completamente desestruturado, um casal que não confia um no outro e briga por tudo. Um homem sorriu para Verônica? Adrian perde o controle. Uma mulher sorriu para Adrian? Verônica perde o controle. O casal não se respeita ou confia mutuamente um no outro; você não sente que há companheirismo ali, apenas desejo. Adrian e Verônica sentem um tesão muito grande um pelo outro e na cama funcionam, mas quando se trata de outros detalhes, eles falham miseravelmente como casal. Permanecem juntos pelo “amor incondicional” que sentem um pelo outro; os dois são obcecados um no outro e não conseguem se largar, mas a relação é turbulenta, tóxica e não faz bem para ambos. Se você comparar a relação de Adrian e Verônica com Feyre e Rhysand (Corte de Espinhos e Rosas), por exemplo, você percebe uma diferença gritante: enquanto um não confia no outro e brigam pelos motivos mais ridículos, o segundo são tão companheiros que são como iguais, como um único ser. Verônica e Adrian não enfrentam as adversidades unidos; eles brigam, gritam um com outro e escondem fatos. Um casal completamente falido que não se dá conta que só o amor doentio que sentem um pelo outro não é o suficiente.
A única coisa na história inteira é a irmã do Adrian, Terry. De resto, pode amassar e jogar no lixo.