Sarah 11/02/2021Todos sabemos, quanto mais alto se sobe, maior também é a queda. O amor nos leva às alturas e sua perda é passível de nos consumir. Essa é a premissa do livro "Altos Voos e Quedas Livres", do autor britânico Julian Barnes, em que ao usar o balonismo como metáfora, conta sobre a morte da esposa e seu processo de luto.
A introdução do livro é cheia de anedotas sobre os princípios do balonismo e conta até com um interessante romance histórico. É a hora da subida. A última parte do livro, a essência da obra e também minha favorita, é a queda. É quando seu corpo cai de uma altura tão grande que se enterra até a metade no chão e seus órgãos explodem por dentro, para parafrasear o próprio Barnes.
O livro passa cerca de dois terços de suas poucas mais de 120 páginas citando as trajetórias dos aventureiros Fred Burnaby, Sarah Bernhartd e Félix Tournachon, mais conhecido como Nadar. Não se engane, essa não passa de uma metáfora muito bem elaborada sobre a conquistas de grandes altitudes e o preço que pagamos por elas.
Em seguida Barnes discorre, de maneira autobiográfica, sobre a morte de sua esposa, em 2008, após mais de três décadas juntos. Ao sair do campo das metáforas, realmente consegue comover o leitor ao descrever com profundidade e de forma quase desnuda seu processo de luto.
Barnes pagou um preço por ter um amor tão grande, por ter voado tão alto. Quando sua esposa Pat morre, apenas 37 dias após o diagnóstico de um tumor no cérebro, sua falta quase o leva também. Ele, inclusive, admite ter pensado diversas vezes em se matar por não conseguir se imaginar vivendo sem ela.
O mais interessante, muito além de sua jornada pessoal, é perceber como o luto é universal. Em menor ou maior intensidade, todos sentimos coisas parecidas ao perder alguém próximo, mas nem todos tem o talento de Barnes e a capacidade de colocar em palavras esses sentimentos tão abstratos.
Com o passar do tempo, no entanto, você vai percebendo o processo de luto chegando ao fim, se é que isso existe. Barnes, que adquire o hábito de falar com a esposa morta para poder de alguma forma continuar a compartilhar sua vida com ela, deixa de sofrer diante de situações que meses ou anos antes seriam insuportáveis.
Ela gostaria que ele continuasse vivendo, conclui. E é isso que passa a fazer, encontrando refúgio nas óperas e em outras pequenas belezas do cotidiano.
A obra me lembrou muito o meu livro preferido do ano passado "A Ridícula Ideia de Nunca mais te Ver", da espanhola Rosa Montero, na qual, em movimento semelhante, a partir da história da cientista Marie Curie e a perda de seu marido, a escritora descreve seu próprio processo de viuvez.
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