Luis 30/03/2014
Súditos do Rei Arthur
Em 1982 eu tinha 7 anos e descobria o futebol. Minhas primeiras lembranças remontam à Copa da Espanha, com o frenesi dos vizinhos da velha Elizeu Visconti que juntaram esforços para , em uma magnífica noite de sexta feira, fechar a rua e pintá-la de ponta a ponta (inclusive os paralelepípedos), além de pendurar bandeirinhas verdes e amarelas, que ao sol da manhã davam um efeito especial aquele pedaço do Catumbi.
Até então, apesar de me dizer Flamengo, com direito à camisa infantil e uma bandeira de um Popeye Rubro Negro pendurada no quarto, não acompanhava o esporte. Confesso que não lembro de absolutamente nada anterior aquele período. Nem dos campeonatos brasileiros (um deles então recém encerrado, com a vitória do Flamengo) nem da mítica Libertadores e do Mundial ambos ocorridos do ano anterior. Só sei que era Flamengo e fim de papo.
O fato é que a festa permanente em que se transformaram aqueles dias pré-copa me despertaram para o mundo da bola. Depois daquela noite de sexta, me vejo com André, meu amigo vascaíno, sentados na porta da “padaria azul” em frente à única banca de jornal da vizinhança, abrindo dezenas de embalagens de chicletes à procura das figurinhas de Ping Pong. Detalhe : eu. pelo menos, não gostava de chiclete. Comprava e jogava fora. Só queria mesmo as figurinhas. Ou melhor, a figurinha. Um senhor, vendo-nos obcecados naquela procura, perguntou : “E aí ? Já tiraram o Zico ?”
Pois é. Naquele ano mágico, o futebol era festa, era o colorido das ruas, era o álbum de figurinhas, era o Flamengo, era Zico.
“Simplesmente Zico” (Contexto, 2013) é um apanhado de depoimentos de jornalistas, torcedores, jogadores e blogueiros sobre o “Pelé branco”, o Galo, o camisa 10 da Gávea, celebrado em canção antológica de Jorge Ben no clássico “África Brasil”.
Organizado por Priscila Ulbrich, do “Donas da Bola”, site de jornalismo esportivo realizado só por mulheres, o volume não é uma biografia ou um ensaio, na verdade é uma grande homenagem aos 60 anos do craque, comemorados em março de 2013 e que dão ideia da dimensão de Zico para o futebol, tanto por sua atuação como jogador, como pelo seu exemplo de homem correto, de atitudes retas, exemplo para milhões de garotos ( e garotas) que o tem como ídolo. Algo raro nos dias de hoje.
Pela quantidade e variedade dos colaboradores, o livro, embora tocante e bem intencionado, acaba tendo resultado irregular, apresentando alguns textos relevantes e de imensa qualidade, compartilhando as ricas experiências dos autores com o homenageado, casos de Ronaldo Castro, Carlos Gil (com a maravilhosa história de como Zico foi uma espécie de “padrinho” de seu casamento), Luiz Fabiano Marinho, Marcelo Barreto, Eraldo Leite, Marco Santos (o melhor depoimento) e Rodrigo Rodriguez, até outros sofríveis que não passam de clichês espécie “arquivo confidencial” e não acrescentam nada à obra. Infelizmente, receio que esse último caso seja de pelo menos a metade dos escritos, como, por exemplo, o “assinado” por Neymar, que, protocolarmente diz “Admiro muito o Zico pelo que ele fez no futebol brasileiro.”
Claro que Neymar não tendo idade para tanto, não testemunhou as atuações de Zico (como muitos dos depoentes), mas deve ter entrado na seleção, com direito até a citação na orelha, muito mais pelo simbolismo de ser o maior jogador brasileiro do momento, do que pela relevância jornalística ou literária da sua pálida contribuição. Esse é justamente o “calcanhar de Aquiles” dessa homenagem : o livro deveria ter se limitado aos que efetivamente tinham uma história interessante para contar com ou sobre o personagem. ”Recados de facebook”, do tipo “Abraços Zico e tudo de bom”, aparecem aos montes ao correr das páginas e só enfraquecem o resultado final.
Mesmo assim, “Simplesmente Zico” é leitura emotiva para os fãs, rubros negros ou não, do futebol esplendoroso praticado pelo Galinho e da rara figura humana que ele é. Figura essa, que me revelou toda a magia do esporte mais popular do mundo , em meio aos sabores doces da infância, de morango e Tutti-frutti nas embalagens de ping pong.
Parafraseando Luciano do Valle em uma das maiores narrações de um lance esportivo na história da TV, não há palavras para descrever os gols de Zico. Dentro e fora de campo.