Aione 10/09/2014A Máquina de Contar Histórias é um livro que pode facilmente remeter a seu autor, Maurício Gomyde, tanto por seu título quanto por seu protagonista, o famoso autor best-seller Vinícius Becker, pelo menos no que diz respeito à habilidade de escrita de Gomyde.
Maurício me conquistou logo em suas primeiras palavras e, mesmo que eu já tenha lido praticamente todos os seus livros, exceto apenas Dias Melhores Para Sempre, seu último romance publicado de maneira independente, não pude deixar de me sentir surpresa e admirada com aquilo que lia. Sua narrativa em terceira pessoa é cativante ao extremo e construída com as palavras certas para causar o impacto exato no leitor. Assim como Vinícius domina diversas técnicas para construir suas histórias, fica claro que Maurício sabe precisamente o que está fazendo: o autor tem domínio total tanto do universo por ele criado quanto pela maneira de como ele o conta para o leitor.
“- Acho que cada pessoa, quando morre, chega ao céu e assume a forma que tinha na melhor fase de sua vida na terra. (…) No caso da sua mãe, ela está lá hoje… Me deixe pensar… Acho que com vinte e dois anos. Foi quando a luz que irradiava dela era a mais perfeita que uma mulher poderia emitir. Quando você nasceu.
– E quando você morrer, como vai chegar lá no céu?
– Eu? Não sei ainda, mas certamente nada parecido com os últimos quatro anos e meio.”
página 129
Além da escrita envolvente, a história é composta por capítulos curtos, o que imprime uma maior velocidade de leitura. Assim, é possível que páginas e mais páginas sejam viradas sem que sejam percebidas. Algo que muito chamou minha atenção foi o fato do livro ser relativamente curto, mas em momento algum ser corrido ou incompleto. Ao contrário, sua própria simplicidade, tão estimada por Vinícius, o torna completo. Ainda que eu tenha querido que o livro não acabasse tão cedo, não acrescentaria uma linha sequer ao seu final.
A arte de escrever, inclusive, é um importante elemento do livro, tornando-o um excelente exemplo de metalinguagem. A todo momento é falado sobre as técnicas de escrita de Vinícius Becker, que podem ser facilmente exemplificadas pela composição de A Máquina de Contar Histórias como um todo.
Talvez o que faça do livro tão completo seja a construção de seu enredo e a forma de como é composto por tantas emoções. A história não traz apenas um homem tentando se redimir de seus erros e reconquistar o afeto da filha mais velha; também, apresenta a trajétoria de uma adolescente descobrindo sobre seu poder de escrita, e a história de amor entre um homem e sua esposa, ao contar sobre o passado de Vinícius e Viviana. Mesmo que a personagem faleça logo nas primeiras páginas, é impossível não se afeiçoar a ela e à história deles conforme vai sendo contada através de flashbacks. Maurício temperou suas cenas com o amor de um homem para uma mulher e de um pai para suas filhas, e o resultado só poderia ser uma obra tocante e sincera.
“O movimento que ele não havia feito, o de segurar a mão da esposa no momento em que ela fosse embora, acontecia ali, de forma singela, separadas apenas pela fina tela do computador. Para ele, duas certezas: a de que, por mais doloridos que tivessem sido os instantes finais, Viviana partira serena e consciente de tudo o que significara sua breve caminhada ao lado da família; e a de que todo o amor depositado no coração dele e das filhas seria eterno.”
página 184
As personagens, também, me foram totalmente cativantes, bem como a interação entre elas. Vinícius, embora tenha errado na forma de como agiu nos últimos anos de vida da esposa, não me causou antipatia, mas sim compaixão. Em momento algum julguei suas atitudes como puramente egoístas ou ambiciosas; enxerguei um homem que buscou em seu talento uma fuga para o sofrimento de ver a esposa definhar. Por tanto amá-la, não suportou vê-la sofrer e, ao se ausentar, tentou negar o que seria inevitável. Não errou por pouco amá-la; ao contrário, errou por amá-la em excesso e por não saber lidar com a dor de perdê-la. Da mesma maneira, sofri com Valentina, tanto por perder a mãe, seu porto seguro, e por ter de conviver com a ausência do pai, sem ter tido a chance de compreendê-lo. Valentina não foi, aos poucos, perdendo apenas a mãe, mas também a imagem de herói que tinha de seu pai. Por fim, há Vida que, como o próprio nome sugere, é capaz de dar vida ao enredo com suas aparições. A “fadinha” tem o poder de dar leveza às cenas e consegue fazer a mágica de amenizar a tensão entre o pai e a irmã mais velha. É impossível não se deliciar com suas falas e com sua pureza e inocência infantis.
Mesmo que a história aparente ser extremamente dramática com sua premissa, ela não o é em momento algum. Ao contrário, é composta em medidas exatas para ser leve e reflexiva, divertida e emocionante, da maneira que apenas alguém hábil e sensível como Maurício Gomyde conseguiria fazer. Uma leitura que vale extremamente a pena aos amantes do gênero e que, além de me fazer admirar ainda mais o autor, certamente o consagrou, aos meus olhos, como um dos meus escritores favoritos da atualidade.
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http://minhavidaliteraria.com.br/2014/07/01/resenha-a-maquina-de-contar-historias-mauricio-gomyde/