Sô 10/01/2018Sabe aqueles livros que alimentam a alma? Esse é um deles. Repleto de personagens interessantes tão cheios de vida que chegam a transbordar das páginas. Virou facilmente um dos favoritos da vida.
Ele se passa na década de 1930, no sul dos Estados Unidos em plena segregação racial. Celie é uma jovem negra que escreve cartas para Deus e é através delas que iremos adentrar na história.
A narrativa é em dialeto, tipicamente usada pelos negros americanos – o que traz uma naturalidade incrível para a narrativa! - e no caso da Celie, contém alguns erros para refletir o fato de que ela não teve estudos. Foi arrancada da escola logo cedo pelo seu pai que dizia que ela era “burra demais para estudar”, embora gostasse bastante de aprender.
Logo na primeira página descobrimos que ela foi estuprada pelo pai e já está grávida do segundo filho. O que o pai faz com as crianças que nascem ela não sabe. Sua mãe acaba morrendo e Celie fica responsável por cuidar dos irmãos. Ela é bem próxima de uma das irmãs, a Nettie, e quando o pai começa a olhar diferente para a irmã, ela sabe o que isso significa. Protege a irmã o máximo que pode, até que um dia ela mesma acaba sendo dada em casamento para um viúvo, que na verdade queria Nettie, mas o pai não aceitou de jeito nenhum. Celie tenta levar a irmã junto, mas acaba não conseguindo. Sugere então que ela procure um casal de missionários que ela encontrou na cidade por acaso e peça ajuda a eles. Nettie faz justamente isso e é aí que as irmãs serão separadas por longos anos, já que Nettie acaba indo para a África como missionária para ajudar o povo de lá.
Na primeira parte do livro, lemos as cartas que a Celie escreve a Deus, mas na segunda parte começam a surgir cartas da Nettie para a Celie também, contando como andam as coisas por lá. O problema é que Celie não tem ideia da existência dessas cartas, já que o marido as esconde dela. Foi descobrir depois de muitos e muitos anos e dá uma raiva imensa ler essa parte.
Nesse meio tempo vão surgindo vários outros personagens: Sofia, a esposa arretada de Harpo, filho do marido de Celie. Corrine e Samuel, os missionários que acolhem Nettie. Squeak, a namorada de Harpo que mais para frente também evoluirá bastante, e Shug Avery, uma ousada cantora de blues pela qual Celie se apaixona instantaneamente. A relação das duas vai crescendo aos poucos e é bonito de acompanhar. Shug é a responsável por boa parte da evolução de Celie, dando a ela o que ela nunca teve: amor. Todos esses personagens também servirão de pano de fundo para abordar outras questões importantes como racismo e religião.
Se no início Celie não se achava digna e tinha vergonha de si própria – inclusive fingia ser uma árvore! -, no decorrer do livro a gente encontra algumas pistas aqui e ali que as coisas estão mudando. Ela que era tão calada, começa a se expressar e dizer poucas e boas para muita gente. Achei o fato de ela começar a usar calça outro simbolismo para esse amadurecimento e independência recém-adquirida. Até o fato de ela passar a assinar as cartas é um reflexo disso.
Fiquei com medo de que a autora usasse um recurso clichê para acabar com os personagens considerados maus e me surpreendi com a conclusão adotada para o pai e o marido – que são de longe os piores! - e como Celie reage a isso. Só mostra que a personagem sofreu uma transformação gigantesca e está em paz consigo mesma.
Livro repleto de mulheres poderosas. Me vi torcendo por elas, sofrendo por elas e me emocionando com elas. Que livro!