Samuel.Calmon 29/04/2014
À Espera de Um Milagre versão Cesar Bravo
Navio Negreiro é a última obra publicada pelo autor brasileiro (e nosso parceiro) de terror, Cesar Bravo. Sendo sincero com os leitores, sinceramente não sei qual é a classificação planejada pelo autor para o livro, se ele é um romance ou um conto, já que, apesar de curto tem mais de sessenta páginas. Apesar de poucos personagens, é uma história consistente, com começo, meio e fim. O importante é: a classificação não é importante. Mais uma vez o autor mostrou que ninguém sabe fazer terror como ele no Brasil em mais uma de suas obras que, na minha opinião (e vocês podem ver isso nas minhas últimas resenhas sobre o autor), ele é uma referência desse tipo de literatura.
Boa parte da história se passa dentro de uma prisão, conta algumas das peripécias (apesar de essa ser uma péssima palavra pra eu usar sobre um livro de terror, que ela fique por aí mesmo) dos detentos atuais e antigos do estabelecimento, além da relação deles com os funcionários e dos próprios funcionários entre si. É assim que aparecem dois dos principais personagens da história, o carcereiro Manfredini e o deterno descendente de uma família que era envolvida com magia e contato com espíritos, Midnight.
Wilbor sacou um cigarro de menta do bolso da camisa suada e acendeu com seu isqueiro prata.
"Coisa de viado", pensou Manfredini que só fumava Belmont acendido com Bic.
O foco da história é a partir da morte do detento Santos, o homem que era o "negociante" entre os prisioneiros, conseguia artigos proibidos na prisão, e sua morte (provavelmente um assassinato) numa cela que já tinha antecedentes desse tipo, causa grande alvoroço dentro da prisão. Depois disso, todos começam a perceber, nessa tal cela (a difamada cela 19) alguma movimentação estranha, mesmo sem detentos ali. Sombras que apareciam nas paredes e sujeiras que ninguém conseguia limpar.
Sexo anal, sangue e sodomia. Porque esse é o cheiro que todo presídio tem.
Desconfiando do que poderia acontecer, Midnight, relembrando as tradições de suas famílias, tenta algum contato com uma possível entidade que estivesse naquele lugar (talvez devido às mortes infames que aconteceram lá). O grande problema é que esse contato é interrompido, e todos os envolvidos sofrem as consequências de tal situação. O resto da história é contando os efeitos que essa entidade trouxe para aqueles que brincam com a vida.
A verdade às vezes cheira mal, chefe.
É uma história que me fez pensar, no começo: "é a primeira vez que leio algo do Cesar que não seja sobrenatural", afinal, o começo, narrando a vida nos presídios, me fez lembrar obras como a que inspirou o filme Um Sonho de Liberdade, do Stephen King. Porém, conforme as páginas passavam, a intenção da obra foi mostrada e ela tornou-se muito interessante, principalmente na narração de todos os efeitos da maldade do homem sobre ele mesmo. É como se tudo aquilo fosse uma metáfora, o homem que faz o mal sofre o mal. Aqui se faz, aqui se paga. É esse o brilhantismo do terror do Cesar Bravo, nem sempre é pra meter medo, às vezes é pra você vomitar (o que é muito mais legal).
Com ainda mais referências à sociedades africanas (além das religiosas, representadas por Midnight) que, inclusive, dão título à obra, Navio Negreiro com certeza não é melhor texto do autor (do qual sou fã), afinal de contas, algumas de suas outras escrituras são absolutamente incríveis, no gênero de horror, mas tem seus - muitos - méritos. É uma grande obra, com simbologia e força para prender o leitor, como sempre tem.
Cabeça erguida é coisa de homem livre, não dos vermes.
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