Celly Nascimento 29/01/2015
Uma ação diferente
Todo leitor assíduo de Patrick Rothfuss está ansioso pela conclusão d’A Crônica do Matador do Rei. Se isso é segredo? Óbvio que não. Fomos apresentados à história de vida de Kvothe e não podemos voltar para trás. Estamos sedentos, estamos com saudades. Queremos ler de novo sobre a rotina acelerada e cheia de emoção do Sem-sangue na sua juventude. Exímio musicista, calculista arcano. Sempre em movimento, mesmo quando está parado. Há apenas um pequeno contraponto nesta agitação toda: Auri. Enquanto no dia-a-dia vemos um Kvothe impetuoso, cheio de energia e determinado, descobrimos sua outra faceta quando ele se revela àquela habitante dos Subterrâneos que todos aprendemos a amar.
Lendo The Slow Regard of Silent Things descobri que adoro esse tipo de ação lenta, bem como o título sugere. Uma ação bem diferente da qual estamos acostumados vindo de Rothfuss, pois se Kvothe vive aventuras energizantes desde a Universidade até Vintas, passando por Feluriana, Auri também tem as suas próprias que se passam dentro do seu singular e reduzido mundo – os Subterrâneos. Ok, talvez seja um mundo reduzido para mim e para você. Mas estamos falando de Auri, não? Sua mente admirável conseguiu ampliar e tornar complexo aquele universo ali embaixo da Universidade. Cada passo é uma aventura, cada descoberta é excitante.
Rothfuss encontra-se muito mais descritivo e minucioso em seus detalhes, mas porque Auri é desse jeito. Nem mesmo um objeto que passaria despercebido à nossos olhos foge de sua análise e consideração, como uma fivela de cinto. Ela é curiosa, cautelosa e radiante, com personalidade – o que, aliás, é algo que tudo possui de acordo com sua visão de mundo. Isso mesmo, tanto humanos quanto objetos possuem personalidade. As chaves, por exemplo, são muito conhecidas por sua complacência. Eu absolutamente amo a Auri – e podemos ver o quanto ela ama Kvothe. Não de uma forma romântica, mas descobrimos nesta obra o quanto ele lhe é importante.
O livro está repleto de ilustrações maravilhosas de objetos comuns, assim como apresenta algumas imagens de Auri. Não se divide em capítulos, mas no que eu chamaria de “seções”. Cada uma delas se revela como sendo um dia da semana na qual Auri se prepara para o próximo encontro com Kvothe. A minha favorita é a mais sucinta, mas que talvez por isso tenha chamado tanta atenção. A seção tem o título de “Hollow”. Tem apenas uma frase: “No quarto dia, Auri chorou”. E eu chorei com ela. Porque é tanta beleza, tanta delicadeza, e eu simplesmente não aguentei mais.
Acho que nunca vi Rothfuss tão brilhante. Jamais conseguirei descrever e passar a vocês a beleza desta obra majestosa de forma adequada, qualquer tentativa será muito inferior ao real sentimento que temos ao ter contato com ela. Se você é do tipo de pessoa fria, que não se preocupa muito com seus sentimentos e percebe que eles não são muito de aflorar, pode acabar descobrindo que não é toda essa pedra que pensa. Se você não possui qualquer tipo de sensibilidade, trate de achá-la. Encarar essa obra insistindo em manter-se isento de qualquer emoção é uma afronta à genialidade. Tal qual a música clássica, você deve saber apreciá-la. Se notar que está começando a se arrepiar em determinados momentos, posso dizer que está tendo uma experiência satisfatória.
Você conseguiu, Auri, um lugarzinho no meu coração. Kvothe está aqui também, mas a maior parte é sua. Eu a conheci de verdade, conheci seu mundo e absorvi a delicadeza de ser quem você é. Não um animal arredio que temos de tratar com cuidado para não fugir, digno de pena, como me pareceu logo na primeira vez que a vi surgir para Kvothe, mas uma criatura maravilhosa que reserva muitos segredos digna de ser admirada. Você é tão surpreendente quanto o seu modo de olhar ao redor. Nunca imaginei que veria ação na ausência desta, mas você consegue produzi-la. Uma ação lenta, mas tão doce quanto você. Obrigada por isso.
Há mais, pessoal. Uma surpresinha no final, mas não vou estragá-la. Só posso dizer que minha ansiedade para a conclusão da saga de Kvothe/Kote está dez vezes maior, no mínimo.
The Slow Regard of Silent Things, ou A Música do Silêncio, vem aí. Você seria um tolo se não o adquirisse.
Post-scriptum: Fica aqui uma análise sobre Rothfuss que achei extremamente interessante e que a meus olhos é a mais pura e cristalina verdade. Não imaginava que eu tinha esse pensamento até lê-lo:
“Rothfuss me fez lembrar de Ursula K. Le Guin, George R. R. Martin e J. R. R. Tolkien, mas nunca tive a impressão de que ele estivesse imitando alguém. Assim como os autores que ele claramente admira, Pat também é um contador de histórias à moda antiga, que usa elementos tradicionais, mas com voz própria.”
– The London Times.
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