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12/03/2017Crimes, críticas sociais e um ser mítico que não aparece.Eu sou daqueles leitores que não gosta de livros com capa de filme, mas confesso que neste em questão, eu gostei bastante. Aliada ao nome, a capa transmite uma aura de mistério e terror que despertaram o meu interesse pelo livro. Logo que li a sinopse, também fiquei curioso para saber mais sobre o tal basajaum e se era mesmo ele o responsável pelos crimes.
A história, narrada em terceira pessoa, acompanha os passos da inspetora espanhola Amaia Salazar, uma das únicas mulheres presente na Polícia Floral de Pamplona, quase toda formada por homens. Amaia é uma mulher decidida, focada e com uma mente muito brilhante. Seu casamento com James, um famoso escultor americano, é invejável por muitas de suas amigas e sua carreira se mostra promissora. Ainda que sofra com algumas gozações e preconceitos de seus colegas masculinos, a personagem mantém a cabeça firme e elevada, mostrando que não é fraca, nem mesmo inferior a eles.
Ainda que a personagem aparente ser forte em todos os aspectos, seu maior ponto fraco é o seu passado. Amaia nasceu no povoado de Elizondo, e quando criança, sofreu diversos traumas por parte de sua mãe. Sua vida aparentemente só melhorou depois que sua mãe foi internada com diagnóstico de transtornos mentais. Ainda que todos tenham compreendido a gravidade da situação, Flora, sua irmã, passou a culpá-la pela doença e desde então manteve rancor e distância. Se isso já não fosse o bastante, seu marido James a tem pressionado constantemente para terem um filho, algo que para a protagonista é impensável diante de todos os acontecimentos do seu trabalho.
“O mal me obrigou a voltar. Os fantasmas saíram dos seus túmulos, inspirados pela minha presença, e me encontraram.”
A autora aproveitou boa parte do seu livro para tocar temas críticos como o preconceito e desvalorização das mulheres na sociedade. Por ser a inspetora chefe da seção de homicídios, muitos dos seus colegas homens se sentem incomodado em ter ela no cargo de maior destaque, e outros, como o inspetor Montes, não aceitam de forma alguma o fato de se submeter às ordens de uma mulher. É curioso ter essa questão abordada no livro pois, de fato, não é algo muito diferente do que ocorre na vida real.
Outro ponto também que a autora critica de forma muito pesada é o pensamentos machista de que se uma mulher ou garota está usando uma roupa curta, está diretamente se “oferecendo” ou “pedindo” para ser violentada. Em certo momento da história, um personagem comenta que o que aconteceu com as moças encontradas mortas foi por culpa delas, já que se maquiavam e andavam com roupas “apelativas”. Diante do comentário, tanto Amaia quanto suas tias recriminam o outro personagem, mas este continua afirmando que se uma mulher é morta ou estuprada, é porque se vestiu de forma inadequada e que atraiu aquilo para ela.
“Alguns pais acham que fazendo as filhas voltarem mais cedo as livram do perigo, quando o importante é que não voltem sozinhas. Ao fazerem com que voltem antes do grupo, são eles que as colocam em risco.”
Porém, ainda que as críticas tenham funcionado super bem dentro da história e cooperado para a trama investigativa, penso que a autora pecou em alguns pontos da execução da obra. Por exemplo, as cenas que envolvem a busca por pistas e coleta de provas são bem curtas, e muitas vezes com várias descrições técnicas. Por outro lado, as narrativas onde são explorado o passado da personagem e de sua família são muito longas, e por várias vezes, cansativas. Mesmo que a explanação do passado da protagonista seja algo importante na história, ela consome grande parte da trama e poucas vezes faz a amarração entre os capítulos.
O basajaum também foi outro aspecto que acredito que a autora poderia ter explorado mais e melhor. No livro, ele é descrito como um humanoide com mais de dois metros de altura, com uma pelagem que lembra um urso e corpo forte e musculoso. É conhecido como senhor do bosque ou guardião invisível, pois preza pela pureza e tranquilidade das matas. Em outro momento é até comparado com o sasquatch ou Pé Grande, lendário ser místico que habita as regiões selvagens dos Estados Unidos. É um importante personagem da cultura basca-navarra, mas que praticamente não apareceu no livro. Sua presença se resumiu em grande parte à boatos e testemunho de um ou outro personagem dizendo que o viu. Talvez venha a ter uma importância maior no segundo ou terceiro livro da série, mas penso que sua inclusão neste primeiro deixou a desejar.
“Amaia sentira presenças tão evidentes naquele bosque que era fácil aceitar uma cultura druida, um poder das árvores acima do poder dos homens, e evocar o tempo em que naqueles lugares e em todo o vale a comunhão entre seres mágicos e humanos era uma religião.”
O final falta um pouco com as expectativas, mas no âmbito geral a experiência vale a pena. Além dos pontos que comentei antes, de ver a luta da personagem por reconhecimento e igualdade, e ver como sua mente funcionava, o livro me proporcionou conhecer outros aspectos da cultura espanhola, como seus seres místicos, crenças e fé. Sempre haverá algo em uma leitura que possamos retirar como um ensinamento ou aprendizado. Ainda não sei se vou continuar lendo a trilogia, mas confesso que estou bem curioso para ver a adaptação no cinema, que vai ser lançado em 2017.
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http://resenhandosonhos.com/o-guardiao-invisivel-dolores-redondo/