raposisses 04/05/2016
A Ascensão Talulla dá continuação a todos os pontos positivos de O Último Lobisomem: a escrita continua única, misturando momentos de narração descritiva e psicológica com momentos de narração crua e dura; a violência e sexo continuam em alta nesse livro; o mythos do lobisomem continua sendo explorado, assim como a dicotomia entre humanidade/civilização e selvageria/instintos animais. E junto a tudo isso, a continuação de O Último Lobisomem arruma seu único erro, substituindo o narrador um tanto cansativo por Talulla.
Lendo esse livro, todos os incômodos que tive com O Último Lobisomem passaram a fazer sentido: o enredo do primeiro livro parecia meio perdido porque ele não é realmente um primeiro livro, mas sim um prólogo. O enredo de A Ascensão de Talulla é bem mais direto e portanto a leitura é bem mais rápida; se descobre o objetivo do livro logo nos primeiros capítulos, ao contrário de o que acontece com O Último Lobisomem. O primeiro livro introduz o mundo e os personagens, para que no segundo livro a verdadeira história possa começar junto com sua verdadeira protagonista.
No primeiro livro, Jake comenta que Talulla é uma lobisomem melhor do que ele. Agora, os leitores podem perceber o que ele quis dizer com isso. Talulla aprende toda a questão filosófica de ser um lobisomem com Jake; mas ela não só absorve seus ensinamentos, como os avança. Ela chega a conclusões a que Jake nunca chegaria, oferecendo uma nova perspectiva sobre essa existência amaldiçoada.
Talulla não tem o repertório literário de Jake, mas suas adições à filosofia lobisomem vêm de dois pontos: 1) da memória de sua mãe, e 2) de sua existência como mulher. O tema da maternidade está presente em todo o livro, com as memórias da mãe de Talulla, e a própria Talulla se tornando mãe. Como pode-se perceber, esse livro está totalmente inserido no mundo feminino, recebendo o tratamento característico de Glen Duncan: duro, cínico, e encharcado de sangue.
Confesso que tinha minhas dúvidas quando percebi que A Ascensão de Talulla iria tão a fundo no tema do feminino. O Último Lobisomem é um livro bastante. não gosto de usar masculino e feminino como adjetivos, mas ele é obviamente enraizado no mundo dos homens. E normalmente, escritores homens que escrevem esse tipo de livro não se dão muito bem com personagens femininas realistas, que são mais do que fantasias sexuais/românticas para o personagem principal (e escritor). Mas Glen Duncan realmente me surpreendeu muito: preservando seu estilo característico, ele conseguiu, com igual maestria, escrever um livro tão enraizado no universo feminino quanto O Último Lobisomem era enraizado no universo masculino.
A Ascensão de Talulla não é um livro feminino porque é cheio de romance, rosas, e perfume. É um livro feminino porque trata de assuntos do universo da mulher de forma respeitosa e realista: Glen Duncan fala sobre o medo constante que a mulher sente por ser uma mulher no mundo; fala sobre os moldes de comportamento que a mulher é obrigada a seguir, e as consequências que sofre ao não segui-lo; fala sobre o estupro de forma realista; fala sobre a maternidade de forma realista, algo praticamente taboo nos dias de hoje. Ele não só prova que o feminino pode estar em conjuntura com sangue, tripas, e violência, como diz que o feminino provem disso. Talulla é uma lobisomem melhor que Jake porque ela já vem lidando com sangue durante toda sua vida.
Algo muito importante para mim em livros com protagonistas femininas é a presença de outras personagens femininas na história. Não adiante querer dizer que seu livro é ~super progressivo e apoia as mulheres~ se sua protagonista é A Fodona mas não há nenhuma outra mulher em seu mundo. Glen Duncan também toca nesse ponto, em uma revelação na metade do livro que me fez gritar de alegria. Não darei spoilers para não arruinar a surpresa, mas só digo que isso fez meu interesse no livro dobrar. É um tiro atrás do outro com esse escritor.
É claro, nem tudo são rosas: confesso que chegou uma hora no livro que não aguentava mais ouvir sobre sexo, e o romance não é nem um pouco envolvente (apesar de que, ao terminar o livro, acho que essa é justamente a intensão). A versão brasileira continua com os vários erros de gráfica presentes no primeiro livro, que talvez não prejudiquem tanto a leitura mas são bastante incômodos. E é claro, não é possível encontrar a conclusão dessa trilogia no Brasil; o que é triste, pois A Ascensão de Talulla termina com uma grande pergunta que só será respondida no último livro. Admito que estou feliz em ler o último livro no original, porque estarei finalmente livre dos benditos erros gráficos, mas para quem não lê em inglês é algo bastante desagradável.
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