Euflauzino 17/11/2015Sangue a cada passo
Contos são beijos roubados no portão, é preciso aquela empatia, aquela conexão temperamental “autor/leitor”, que transforma páginas e mais páginas em magia. E isso aconteceu comigo neste livro.
Em mais um presente da Editora Caligo, vi-me arremessado sem dó nem piedade no meio da tormenta que é Redrum: contos de crime e morte (150 páginas), coletânea organizada por Vitor Toledo, também um dos autores.
Relativamente curto, porém com um apetite imenso pelo crime, o livro possui sete contos bem diferentes, com um traço peculiar que os liga: sangue! A visão especular transforma Redrum em Murder, altamente apetitoso para todos aqueles que lembraram a cena de “O iluminado” de Stephen King. Quem não conhece, não haverá problemas, irá saborear da mesma forma.
Refração - Diogo Bernadelli. A estrutura do conto me fez lembrar o filme “Irreversível” (inclassificável). Cru e violento é uma pancada no plexo solar. Com flashbacks a todo momento picando seu andamento para que possamos entrar na mente e na perspectiva de cada personagem, vai se desenrolando sem dó, só dor.
A paralisia diante do impensável. O descongelamento lento e gradual, antinatural, num corpo cheio de droga:
“Meu coração torna a bater atrás dos ouvidos, ensurdecendo-me momentaneamente para o mundo de fora e abrindo-me a todas as emoções, que por sua vez se perdem furiosamente em um ralo no meu peito. Não há nada dentro de mim e, por outro lado, isso é muito mais que o suficiente. O que diabos você está esperando?, pergunto-me, então me liberto daquele cimento psicossomático que me envolve dos joelhos aos pés.
Disparo para baixo, vencendo três degraus da cada passada. As calças encharcadas de cerveja, o coração batendo, os ouvidos parcialmente imprestáveis, os gestos como reflexo do medo. E o corpo um manequim da droga.”
Segunda sombra – Vitor Toledo. Com grande habilidade, o autor vai alinhavando a mente de um personagem complexo e doentio que se arvora no direito de ser Deus — ter a vida e a morte em suas mãos. A epígrafe do início já nos dá o gostinho do que vem pela frente:
“Decididamente, não compreendo por que é mais glorioso bombardear uma cidade do que assassinar alguém a machadadas.” (Crime e Castigo – Dostoiévski).
Escrita vigorosa, a lembrança do sangue aguça e dirige a atenção do leitor:
“Se escrevo estas linhas é porque sucumbi à utopia de buscar alívio sem trair o meu silêncio. Bem sei que isto não me traz nenhuma dignidade... O tempo pode ter depositado uma fina camada de poeira sobre estas imagens, no entanto jamais me abandonarão por completo. Já o sangue... Em minhas lembranças, ele nunca descolore. Sempre o mesmo escarlate morno e denso.”
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