Paulo Sousa 22/05/2019
trilogia sudário 1 - eclipse
Título lido: Eclipse
Título original: Eclipse
Autor: John Banville
Tradução: Celso Mauro Paciornik
Editora: Globo (Selo Biblioteca Azul)
Lançamento: 2000
Esta edição: 2014
Páginas: 240
Classificação: 3/5
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"no centro de tudo há uma ausência, um espaço vazio onde um dia houve alguma coisa, ou alguém, que se Removeu. embora as páginas não estejam numeradas, é claro, estou convencido de que faltam algumas: descartadas, destruídas - ou roubadas?" (pág 232).
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john banville é o mestre do saudosismo. só li dois livros dele (o outro foi "o mar"), mas lendo as sinopses dos outros volumes da "trilogia sudário", é bem fácil entrever que o personagem de Eclipse, o primeiro dos três, é um homem fadado à perdição e a ser corroído pela memória e pelo tempo.
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aliás, um dos grandes atrativos de Eclipse é justamente o fato de não acontecer nada em grande parte da obra. não existem reviravoltas ou inovações narrativas; não aparecem truques estilísticos ou personagens com atitudes e falas marcantes. com exceção de um único acontecimento violento surgido quase no final do livro, o restante da história desenrola-se com vagar, concentrada nos dilemas do personagem principal e narrador, Alexander Cleave.
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Alexander Cleave é um ator experiente e famoso que, em uma noite, no palco, passa pelo pior pesadelo de qualquer artista: subitamente paralisa e esquece as suas falas, precisando lidar com as risadas da plateia e com o pânico dos seus colegas de peça, até abandonar o palco de forma repentina (o mesmo se dá em "a humilhação, com o Simon Axler de Roth). tal fato o leva a reconsiderar a sua vida. ele decide retornar para a casa em que passou boa parte da infância, em uma tentativa de reconectar a criança com o homem e encontrar o sentido da própria existência ou, nas suas próprias palavras, ?colocar de volta o trem nos trilhos?.
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na casa da infância, passado e presente passam a conviver de forma abrupta, alternando-se nas recordações do narrador. Para viabilizar a construção da narrativa, John Banville abusa do recurso da fantasmagoria, vendo fantasmas e sendo acossado pela memória de eventos passados, o que aproxima o livro, em muitos momentos, de A volta do parafuso, de Henry James, um livro que particularmente não gostei. o presente aparece de forma mais vigorosa através das intervenções da sua mulher, Lydia, que lhe acompanha nesta jornada ao passado, mesmo sem ter sido convidada para tanto. não é uma coincidência que, irritada pelo desejo constante do marido de retomar o passado, Lydia algumas vezes lhe diga ?Você é seu próprio fantasma?.
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Eclipse não é uma leitura fácil. ele demora um pouco para se render ao leitor, que se distrai com as idas e vindas do texto e, como a história é excessivamente estática, corre o risco de perder as chaves de interpretação do narrador distribuídas ao longo do texto. no entanto, ultrapassado este momento inicial de relativa incompreensão, o leitor que seguir adiante logo entenderá os pensamentos de Alexander Cleaver. entrará na sua pele e vivenciará as suas dúvidas e indecisões. preso em um passado que não o larga e lança sombras sobre o seu presente, o narrador é alguém tão humano como qualquer um dos seus leitores, e talvez esta seja a característica que mais incomoda em Banville: a sensação de que, um dia, o leitor vivenciará as mesmas dúvidas de Alexander Cleaver e, no meio deste grande palco que se chama vida, esquecerá o que está fazendo sobre ele e não lembrará mais o motivo pelo qual está vivo. somos criaturas feitas de passado e de fantasmas.