Tai 01/03/2021Tenho tanto a falar sobre esse livro que, provavelmente, não falarei quase nada que pensei em falar. Vamos começar pela proposta que é genial (e atual): espelha bem a alienação que parte da sociedade está vivendo hoje com seus celulares e computadores, onde o mundo virtual parece mais interessante que o mundo real (logo no começo tem um trecho que diz um cantor está fazendo um show e quase ninguém presta atenção no cara. Todos com a cara grudada no celular) e mostra adultos infantilizados que (realmente) acreditam que sorrisos e carinhas feias vão influenciar / mudar a vida das pessoas ou alterar o curso da história de um país.
Já a história em si, tudo o que acontece, foi impactante, mesmo não mostrando muitas coisas “novas”. Na verdade, todas as tecnologias e os comportamentos dos personagens parecem terem sido, de alguma forma, bebidos de outras fontes como Black Mirror e Sonhos Elétricos, por exemplo.
O Círculo é aquele típico aglomerado do mal, com direito a um CEO sociopata e tudo o mais. Até a forma como opositores do sistema (ou seja, qualquer um que ouse a chamar a atenção para algo estranho no monopólio do Círculo) são lidados é o-mesmo-de-sempre. A pessoa vai lá, fala alguma coisa e, de repente, aparece provas que essa mesma pessoa estava, de alguma forma, ligada a alguma coisa criminosa (como terrorismo ou pornografia infantil). E ninguém acha estranho.
Mas, o que mais me chamou a atenção, foi a protagonista. Ela representou aquela característica nova em um livro de distopia. É que de todos os que eu li (pelo menos até o momento) ela foi a única protagonista que seguiu um “caminho contrário”. Enquanto nos outros livros, o protagonista é aquele sujeito que já começa o livro inserido numa sociedade totalitária e, pelo motivo que seja, percebe que há algo errado e resolve lutar contra a maré, O Círculo mostra a Mae cada vez mais se afundando naquela realidade e, mesmo sem querer, ajudando e reforçando o surgimento desse monopólio tirânico. Mesmo que ela tenha alguns momentos breves de cansaço (ela nunca diz que está sobrecarregada de trabalho. Sempre fala que “ganhou uma ‘camada nova’ de trabalho” rsrsrs) ela se recusa a ver que tem algo de errado naquele ambiente onde, por exemplo, ela é chamada a atenção pelo chefe quando vai visitar os pais, em vez de preferir ficar no campus (sim, eles chamam o local de trabalho de campus... como se fosse uma universidade...), ou porque ela não faz postagens o suficiente na conta dela do Círculo, ou porque ela não fala da vida pessoal... Sério, é de esquentar a cabeça ver a passividade da Mae nessas situações.
Mas, por outro lado, acredito que seja errado chamar a Mae de vítima. Porque o tempo todo ela demonstra que gosta de tudo isso. Ela quer ser vista, quer ser influenciadora. Ela o tempo todo demonstra uma certa inveja da Annie (porque ela quer ser a Annie). Ela realmente acha que todos levam a sério a opinião dela, seja sobre uma roupa, seja sobre política externa. E ela a sério o que os outros pensam dela. Ela quer ser querida, quer ser amada. A ponto de gastar páginas do livro se irritando porque 3% dos funcionários do Círculo não a achavam o máximo. Sim. Sério. Há uma apuração onde eles perguntam “Mae Holland não é mesmo incrível? ” e todos são obrigados a responder sim (sorriso) ou não (carinha feia). E o mais incrível é que, como ela é obrigada a votar, ela vota não, porque na mentalidade dela, ela seria a única (entre mais de 12.000 pessoas) a fazer aquilo e que todos iriam achar fofo e rir da – falsa – modéstia dela.
A necessidade dela de ser uma líder é tão grande que tem um trecho que... Bom, vou colocar aqui embaixo:
“-Estou bem, obrigada – respondeu Mae, medindo suas palavras, imaginando a maneira como o presidente, qualquer que seja a situação, tem de encontrar um meio-termo entre a emoção bruta, a dignidade serena e a compostura de uma pessoa experiente. Mae vinha pensando em si mesma como um presidente. Ela tinha muito em comum com eles – a responsabilidade perante a tanta gente, o poder de influenciar acontecimentos mundiais. E, com sua posição, ocorriam crises novas, em nível presidencial. ”
Pensa aí, nunca garota iludida!
Bom, agora vou beber um copo com água e passar para a próxima distopia. Yey!!!