jota 08/02/2016É verdade, Llosa?Mario Vargas Llosa analisa aqui 35 obras publicadas no século XX, algumas muito admiradas pelos leitores, como Morte em Veneza (1912), de Thomas Mann, O Lobo da Estepe (1927), de Hermann Hesse, Trópico de Câncer (1934), Henry Miller, O Velho e o Mar (1952), de Ernest Hemingway e Lolita (1955), de Vladimir Nabokov.
Inicia com O Coração das Trevas (1902), de Joseph Conrad e termina com Afirma Pereira (1994), de Antonio Tabucchi. Entre as duas encontram-se os expressivos Dublinenses (1914), de James Joyce, Mrs. Dalloway (1925), de Virginia Woolf, Admirável Mundo Novo (1932), de Aldous Huxley, O Estrangeiro (1942), de Albert Camus, O Poder e a Glória (1940), de Graham Greene, O Tambor (1959), de Günter Grass etc. Os demais livros listei no meio do texto ou no final.
Além de análises acuradas temos dois índices bastante úteis - um onomástico e outro de obras citadas - e dois ensaios muito interessantes, onde podemos conhecer melhor algumas ideias do famoso escritor venezuelano premiado com o Nobel em 2010, autor de livros inesquecíveis: Pantaleão e as Visitadoras, Tia Julia e o Escrevinhador, Conversa na Catedral, Travessuras da Menina Má e muitos outros. O ensaio do início é propriamente intitulado A Verdade das Mentiras e o do final, A Literatura e a Vida.
MVL acredita que “A primeira obrigação de um romance – não a única, porém, a primordial, aquela que é requisito indispensável para as demais – não é instruir, mas enfeitiçar o leitor, destruir sua consciência crítica, absorver sua atenção, manipular seus sentimentos, abstrai-lo do mundo real e fazê-lo sumir na ilusão. O romancista chega indiretamente à inteligência do leitor depois de tê-lo contaminado com a vitalidade artificial do seu mundo imaginário e de tê-lo feito viver no parêntese mágico da leitura, a mentira como verdade e a verdade como mentira.”
Importa, pois, como o autor constrói esse mundo imaginário que vai seduzir o leitor, às vezes fazê-lo passar horas sem querer dele sair, e ao final concluir que tudo tinha valido a pena, que havia lido uma ótima história, vivido uma experiência singular de leitura. Mas poderia ter acontecido o contrário, de o leitor não se sentir enfeitiçado de modo algum pela ficção que lia, querer abandonar a obra, maldizer sua escolha e a perda de tempo e voltar depressa para o mundo real.
MVL continua: “A comparação entre ambas as realidades – a da ficção e a real – é prescindível em termos artísticos, pois para saber se um romance é bom ou ruim, genial ou medíocre, não faz falta saber se foi fiel ou infiel ao mundo verdadeiro, se o reproduziu ou o mentiu. É seu intrínseco poder de persuasão, não seu interesse documental, que determina o valor artístico de uma obra de ficção." Persuasão é, pois, uma palavra-chave em literatura, determina Llosa.
Mesmo que nos dê a conhecer muita coisa sobre essa arte a partir de várias obras célebres, não é lá muito fácil atravessar as mais de quatrocentas páginas de letras miúdas povoadas por palavras que precisam ser verificadas no dicionário, dada a erudição que MVL traz para dentro do livro, como destaca a tradutora Cordelia Magalhães - eis algumas: tremebundo, garrulante, translatício, prófugos etc. Assim, tem vezes em que fica parecendo que a obra de MVL se destina muito mais a especialistas em literatura do que a leitores que apreciam literatura além dos livros.
Por outro lado, são jogadas muitas luzes ou pontos de vista sobre os livros analisados - daí que nem tudo é tão simples assim, simplesmente um romance que lemos, por exemplo, para passar o tempo: para ele esse mesmo livro é outra coisa. Ou seja, quando li A Revolução dos Bichos (1945), de George Orwell, não consegui ver tudo o que MVL agora explica com profundidade e já estou imaginando que talvez valesse a pena fazer uma releitura desse clássico. De outros que ele disseca também.
Outro modo de encarar o livro: ele pode funcionar como um guia de leitura de algumas importantes obras escritas no século XX, na sequência em que foram publicadas. Ainda que se possa discordar das escolhas de MVL – na verdade são artigos que escreveu e publicou desde os anos 1960, não exatamente uma relação de seus livros preferidos. Ou, quem sabe, sim. Um problema para quem se incomoda com certos detalhes: ele conta tudo; se o personagem mata ou é morto, quem fica com quem ou o quê, enfim como termina o livro etc.
Li 26 dos 35 livros tratados aqui; alguns ficaram um tanto diferentes do que eu me lembrava deles, como o livro de Orwell. Desapareceu minha curiosidade acerca de um que considerava difícil mas que pretendia ler assim mesmo e que agora tenho certeza de que não vou ler pois não vou entender ou gostar, dada suas características aqui esmiuçadas: O Reino Deste Mundo (1949), de Alejo Carpentier. Que me pareceu a obra mais complexa (ou complicada) analisada em A Verdade das Mentiras.
E agora as demais obras: Manhattan Transfer (1925), John dos Passos; O Grande Gatsby (1925), F. Scott Fitzgerald; Nadja (1928), André Breton; Santuário (1931), William Faulkner; A Condição Humana (1933), André Malraux; Sete Narrativas Góticas (1934), Karen Blixen; Auto-de-Fé (1936), Elias Canetti; O Zero e o Infinito (1940), Arthur Koestler; Fim de Caso (1951), Graham Greene; A Romana (1947), Alberto Moravia.
A lista prossegue com: Paris é Uma Festa (1952), Ernest Hemingway; A Leste do Paraíso (1952), John Steinbeck; Stiller (1954) Max Frisch; O Gattopardo (1957) Giuseppe Tomasi de Lampedusa; Doutor Jivago (1957), Boris Pasternak; A Casa das Belas Adormecidas (1961), Yasunari Kawabata; O Carnê Dourado (1962), Doris Lessing; Um Dia na Vida de Ivan Denisovich (1962), Aleksandr Solzhenitsyn; Pontos de Vista de Um Palhaço (1963) Heinrich Boll; Herzog (1964) Saul Bellow.
Lido com muitas interrupções desde 14/12/2015 até 07/02/2016. Minha nota: 4,3.