Rosa Santana 14/12/2009
Gostaria de iniciar falando que nunca lera James Joyce e que tive uma certa, como dizer, surpresa, sentindo-me meio que lograda... Confesso que esperava mais dele.
Daí veio a segunda fase: sobre o que esse cara escreve nesse conto? Por que acho que é importante eu ter claro isso: de que fala tal texto? É a partir daí que eu começo a analisar. Expus minhas dúvidas, como vocês viram, em uma comunidade do orkut, onde discutimos contos e, o conto da vez era esse: "As Irmãs". Fiz isso até para que eu pensasse mais sobre elas (as dúvidas)...
Então: sobre o que ele escreve, já que há a possibilidade de estar falando de três coisas, e de nos deixar meio que "cabaleando" entre elas... Porque ora ele nos apresenta uma possibilidade, mas logo dispõe outra e, depois, mais outra, como se colocasse diante de nós um espelho disfocado. E é isso que me desconcertou, lendo-o. Mas, pensando melhor: qual é o papel da literatura senão esse? Não é assim a vida?! Então, comecei a colocar (a minha) coerência no conto. Porque, nos tempos modernos, é o leitor quem preenche os vazios* propositais de uma obra de arte.
E nesse conto JJ deixou várias espécies deles: as falas entrecortadas, que não se concluem; as ações que não são apresentadas no seu todo, porque elas são cortadas, sem que sejam concluídas, inserindo-se outras... o que acaba interferindo na própria seqüência narrativa, interrompida...
Temos, também, que tudo o que o bom escritor faz, tem um sentido. Nada está de graça, em seu texto. Então, para que Joyce construiu, assim, o seu?
Parece-me que o autor faz uso do que se chama "mise-en-abism", como sendo o olhar do olhar: JJ faz nossos olhos correrem de um personagem a outro, para nos mostrar como cada um vê o outro... esse o disfocamento, a aparente "abundância de tema".
Confuso?
No meu ponto de vista, ele constrói sua narrativa como uma metáfora da vida. Essa coisa fugidia e escorregadiça, em que sonho e realidade, loucura e consciência se misturam na dialética que é a nossa formação, como pessoa (o menino-narrador). Assim, ele (narrador) rechaça espelhos (o velho Cotter, de quem ele gostara, mas a quem agora tem aversão... O próprio padre, pelo qual o garoto não demonstra o mínimo sentimento, embora reconheça a contribuição dele na sua formação; sua impossibilidade de reconstruir o final do sonho... porque ele se mistura com a vida)
Acho que é isso:
. Lacan diria que aquilo com que me identifico e diz muito de mim é o espelho que me reflete e contribui para a minha formação;
. Backhitin teorizaria que a linguagem de um sujeito se intercala e se mescla à do outro;
. E a filosofia diria que é a arte da dialética, em que a uma tese se contrapõe uma anti-tese, e dessa mistura forma-se a síntese. E a síntese é esse ser em formação: o narrador (como sua narrativa, como nós, seus leitores) que não tem uma forma acabada e está, sempre, a buscar novas sínteses, novos espelhos, novas linguagens.
* E aqui cito Jorge Luis Borges: “O sentido dos livros está na frente deles e não atrás, está em nós: um livro não é um sentido acabado, uma revelação que devemos receber, é uma reserva de formas que esperam seus sentidos... O livro é feito por todos, não por um.”
Retirado de "Sete Noites - Ensaios", pag. 46
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