Vilamarc 15/04/2019Urge o fim desse tempo que se demorou por demaisSou um apaixonado pela obra de Gabriel Garcia Marquez e posso dizer que esse é um dos livros mais difíceis e belos de sua trajetória. Tanto pelo conteúdo narrado (uma analogia a todas as ditaduras latinoamericanas e não somente estas) quanto pela forma como o livro foi construído, à semelhança dos livros de Saramago, sem capítulos, sem parágrafos, sem uma pontuação ordinária, fazendo construções de frases que levam páginas e páginas para serem concluídas.
Suas quase 300 páginas apresentam uma síntese no melhor e mais saboroso estilo realismo mágico, um ditador sem nome, tratado apenas por General que viveu entre 107 e 230 anos e que morreu duas vezes, para testemunhar como seus governados reagiriam a sua primeira morte, sabendo-se que ela seria comemorada, por amigos e inimigos.
O denso da história é a narrativa fantástica de todos os absurdos (ou não) praticados pelos ditadores em seus reinos pessoais. A perseguição política, a tortura, a fraude eleitral, a liquidação dos inimigos, a venda dos recursos naturais ao estrangeiro (exceto o mar, por um capricho de vê-lo de sua sacada), a alteração das datas e calendários para coincidirem com as festas famíliares, a repetição da passagem de um cometa para jubilo do casal de namorados, a alteração das horas para coadunar o sono e a disposição do dia. Enfim, toda a sorte de invenções possíveis, despóticas a que as nações latinas e não-latinas estiveram sujeitas.
Poucos personagens se revezam na narrativa, além do General e seus comandantes militares, pervertidos, sádicos e submissos, sua mãe, canonizada por ser a mulher que lhe deu a luz, por ser exímia pintora de passarinhos e atender aos necessitados com receitas caseiras. Sua amada, ex-freira a qual sequestrou-lhe do convento e pela qual teve um amor platônico até o dia em que foi comida pelos cães da oposição, juntamente com seu único filho, nomeado também General desde o nascimento.
Assim, o livro de desenvolve nas lembranças do velho moribundo que acredita pode inclusive troçar e surpreender a morte, alegando ter-se vivido a espera das previsões de uma pitonisa sem as quais recusa-se a morrer.
Valendo-se de muitas repetições e de uma descrição pormenorizada de situações, pessoas, lugares e sensações, bem ao seu estilo consagrado em Cem anos e O amor nos tempos do Cólera, Gabo nos fascina em sua escrita, ao mesmo tempo em que nos faz urgir o fim desse tempo do romance que nos traz a lembrança de tempos que se demoraram por demais.