Joao.Paulo 19/10/2020
A transcendência através da imagem
O olho aqui é um objeto volúvel, ele será encontrado como ovo, prato, testículo, olhos. O que atrai nessa ideia do olho é justamente a imagem. É um livro que parece ter mais um fascínio que busca uma força transcendental através das imagens causadas por essas situações eróticas.
Apesar de ser um livro extremamente direto acaba, em consequência da ilustração dos atos obscenos, tendo uma linguagem muito imagética e imaginativa, que plasma os personagens com os ambientes ao coloca-los em situação de êxtase. Quando os personagens vão atrás de Marcela no manicômio é evocada uma atmosfera fantástica, que entra em contraste com a escrita realista. O manicômio se torna um castelo imponente atormentado por relâmpagos em meio a uma tempestade, os personagens parecem acenar de uma distância muito remota para Marcela. Essa realização fantástica é tida por meio da imagem. Se o objeto central do livro é justamente o Olho, também é a imagem.
Como se sabe, para Bataille, o erotismo é transgressão. Essa transgressão é encontrada justamente na identificação possibilitadora das imagens, como é dado no final do livro, no capítulo das reminiscências (apesar de esse conceito já ter sido explorado por Jung), não à toa o céu é visto de forma claramente cosmológica em vários momentos após o orgasmo, o que evoca uma ideia de unidade com o universo. A busca aqui é por deformar as imagens o máximo possível, para que se possa extrair um ''significado'' (não necessariamente objetivo) através de uma experiência transcendental que essas imagens possam representar. Barthes diz que(texto presente como posfácio para a edição da companhia das letas.) as deformações volúveis do olho se dão não só em um plano metonímico, quando se usa o ovo para se referir ao olho, por exemplo, mas também no sentido poético, quando, com o passar da narrativa, ao em vez de se furar um olho se fura um ovo e vice-versa. Ou seja, a escrita vai cada vez mais deformando a ação que se tem com o objeto e a descrição deste, partindo de um plano concreto e abstraindo o máximo possível ao seu decorrer.
A transcendência está, justamente, na quebra do narrador, que se torna autobiográfico no último capítulo, quando o processo de transcendência trazido pela modificação das imagens possibilita uma leitura mística do autor autobiográfico por si mesmo. Odeio trazer a biografia do autor para uma crítica, acho que a obra deve ser anisada por si, mas é algo que justamente aconteceu com Bataille em seu processo de escrita. Não se trata de um simples e ridículo expurgar de demônios, que ficam presos nas páginas dos livros para nunca mais serem encostados, mas de, por meio dessa deformação da própria história, que se torna totalmente diferente da realidade (artificial), conseguir lidar com seus problemas, vendo-os por uma perspectiva diferente, que provoca uma experiência transcendental pelas imagens que se tornaram.
Não é necessário compreender tudo objetivamente, o mais importante é experienciar isso. No entanto, temos a objetivação dessa experiência nas reminiscências. Sabemos, por esforço do narrador, que a correlação entre os objetos olho, ovo, urina etc. se dão pela figura de seu pai, que era cego e paralítico, essa fascinação pela imagem não teria surgido justamente pelo fato de seu pai ser cego e capaz de provocar imagens mentais tão fortes no narrador? A loucura também esta presente na obsessão por Marcela (que é relembrada chorando urina quando o protagonista vê a vulva de Simone). Enfim, de alguma forma ou outra, tudo pode ser correlacionado nesse último capítulo que, com um esforço corajoso, ''desvenda'' o livro em seu nível mais básico e óbvio, mas a simples tomada de consciência analítica do narrador já é espantosa no desdobrar que causa.