Alê | @alexandrejjr 15/11/2021
Os cariocas segundo o baiano
Eu já disse mais de uma vez, mas é impossível fugir da repetição: João Ubaldo Ribeiro é um escritor incontornável quando o assunto é literatura nacional.
Autor de clássicos que definem a nossa identidade literária, como os ambiciosos “Viva o povo brasileiro” e “Sargento Getúlio”, demasiadamente citados por este leitor sempre que possível, Ubaldo era um ícone, fosse pela irreverência, pela erudição ou pela capacidade de análise do seu tempo.
Este “Noites lebloninas” é, para os desavisados, um livro póstumo, um projeto inacabado. João Ubaldo Ribeiro, um dos últimos postulantes ao Nobel de Literatura que tínhamos, nos deixou em 2014. Aqui, em capa dura e com um belo texto introdutório de Geraldo Carneiro, amigo próximo do mestre, temos um gostinho daquilo que poderia ser mais uma obra icônica do autor baiano, infelizmente interrompida pelo implacável tempo.
Conto. Gênero clássico da literatura, mas o patinho feio entre os editores, principalmente aqui no Brasil. É neste terreno que João Ubaldo apresenta as histórias de “Noites lebloninas”, que se dividem entre o texto de título homônimo e a narrativa “O cachorro Falafina e seu dono Dagoberto”. Duas histórias com os mais notáveis ingredientes ubaldianos: humor, linguagem acessível mas de sintaxe rebuscada, e tipos brasileiros.
João Ubaldo foi um quase carioca. Por quê? Porque viveu os últimos anos de sua vida na cidade do Rio de Janeiro. No entanto, sempre foi um estranho no ninho, um baiano perdido em meio aos cariocas. E é desse ponto de vista que ele resolveu investir em seus últimos trabalhos ficcionais.
No conto “Noites lebloninas” Ubaldo empresta sua voz a um porteiro, baiano, responsável por um prédio de classe média no Rio de Janeiro que entra numa peripécia - que obviamente não irei contar aqui - a convite de um dos malandros moradores do local. Já em “O cachorro Falafina e seu dono Dagoberto”, Ubaldo passa raspando o limite aceitável sobre um tema espinhoso: homossexualidade. Através de um narrador preconceituoso - o mesmo do conto anterior -, que sempre diz “respeitar as diferenças, mas…”, um tipo clássico da sociedade brasileira, o escritor conta uma tragédia de amor urbana e contemporânea que pode captar os mais diferentes estilos de leitores, devido à proximidade da história com a realidade palpável, sem perder em nenhum momento o poder extraordinário da imaginação que a ficção pode atingir.
Mesmo sabendo que os textos presentes em “Noites lebloninas” passariam, possivelmente, por revisões mais exigentes de seu criador, não é incorreto afirmar que este pequeno livro é uma digna - mas melancólica - despedida de um dos escritores mais importantes do país.
Vale a leitura.