Antonio 22/01/2015
O Irmão Alemão é bom ou ruim? É Chico.
Se você tem sinceramente a vontade de saber se o novo livro de Chico Buarque é bom ou ruim, desista. Há muito tempo, Chico Buarque ultrapassou essas categorias. Hoje, flutua acima do bem e do mal. Nessas alturas inalcançáveis, não há alma que possa dar uma avaliação precisa e justa.
Se um crítico apontar defeitos, é rabugice, uma tentativa de tirar uma lasquinha em benefício próprio. Se os críticos cobrem o livro de elogios, é subserviência à indústria editorial, ao ‘mito Chico’.
Como apontou o colunista Rodrigo de Almeida, de quatro romances escritos por ele, três ganharam o Jabuti. Houve até mudanças nas regras do prêmio para que pudesse ganhar o “livro do ano”. Teve gritaria, mas ficou por isso mesmo.
É como se a sociedade precisasse de um bem cultural que estivesse acima da crítica. Se você vai dar um presente a alguém, dê Chico. É como dar um canivete suíço, um relógio de ouro, um champanhe autêntico. Ninguém vai dizer que é ruim. Questões de gosto pessoal não entram nesse cálculo.
Mas o que há por trás dessa Unanimidade Nacional (como já dizia Nelson Rodrigues)? Livros que, para mim, são bem escritos, mas parecem ficar devendo alguma coisa, talvez personagens mais críveis e mais ‘relacionáveis’, talvez um pouco de autenticidade.
O Irmão Alemão tem fundo biográfico, pois Chico teve de fato um irmão na Alemanha, filho de Sérgio Buarque de Holanda — tive uma grande surpresa e me animei. Como assim, então as boas famílias também abandonavam seus filhos? Por outro lado, o tema escolhido poderia dar a autenticidade que faltava a esses livros...
Dou 3 ou 4 estrelas. Como previsto, o livro é bem escrito, ágil, criativo, mas a autenticidade (dito de outra forma, a ‘verdade’ que esperamos por trás da obra) ainda não está lá. É claro que Chico não vai escrever um livro ruim. Os procedimentos literários estão sob seu domínio. Ainda assim, alguma coisa falta.
Se o livro tivesse um título justo, seria “A Arte da Suposição”. É que o narrador descobre que tem um irmão alemão, e começa a fazer intermináveis suposições sobre o que teria acontecido. Assim, consegue ser divertido, anárquico, dramático, farsesco, dando asas à imaginação, sempre de uma forma criativa. Isso nos envolve. Por outro lado, as verdades que poderiam estar por trás desse irmão abandonado são postergadas, pois, provavelmente, não combinariam com esse tipo de escrita irreverente.
O verdadeiro irmão que salta das páginas não é o alemão, mas Mimmo, irmão mais velho do narrador, mais bonito, mais alto, mais tudo:
"Os cabelos italianos, que meu irmão deu para usar em longos cachos, na minha cabeça viraram lã de arame. E talvez por um direito de progenitura ele ficou com as cores maternas, os olhos esverdeados e a tez cor-de-rosa, relegando-me a pele rude do meu pai, além do prognatismo, olhos cinzentos e óculos. (...) Sem contar o que não estava em jogo, o seu metro e oitenta e os meus vinte centímetros a menos".
Temos que admitir, o cabelo do Chico Buarque é feio pra chuchu!
É à sombra desse irmão que a narrativa se desenvolve. Não sendo o preferido do pai, a busca pelo ‘irmão alemão’ é uma tentativa de reconciliação consigo mesmo, como se o narrador (Ciccio, ou Francisco) pudesse encontrar um igual que também foi rejeitado, e os dois pudessem se unir — uma compensação pelo espaço secundário ocupado na casa paterna.
De fato, esse irmão, Mimmo, é o grande personagem do livro, o melhor. A mãe, apenas uma italiana típica e caricata, ainda que crível. O pai, uma esfinge mergulhada em livros. O narrador, inseguro, como se ainda não tivesse uma identidade. Sobra o irmão, que consegue nos surpreender e envolver... Aliás, me espanta que nenhuma crítica tenha apontado essa contraposição entre o irmão real e o idealizado, num jogo de espelhos.
E o que aconteceu com o ‘verdadeiro’ irmão alemão? O melhor é ler o livro para saber. Mas sendo uma sombra, uma figura apenas imaginada, talvez essa não seja a melhor pergunta a fazer. Se quiser ler a crítica de alguém que vai contra a corrente, a crítica dura e exigente de Alcir Pécora. Mas a verdade, para mim, fica no meio termo. É mais para bom do que para ruim, mas também não chegou lá.
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