Fabio Shiva 17/04/2022
A paranoia da Guerra Fria assombra histórias do futuro escritas no passado
Depois de tomar posse da antiquíssima base que os arcônidas abandonaram em Vênus, Perry Rhodan estabelece o seu domínio sobre o gigantesco e poderoso cérebro positrônico que manteve a base operacioal durante milhares de anos. E aqui temos um dos ingredientes mais fascinantes da extremamente bem-sucedida série de ficção científica “Perry Rhodan”, que é o acesso a tecnologias avançadas possibilitando aos homens de coragem e boa vontade vencerem desafios cada vez mais assustadores.
Dessa vez, o perigo surge na forma dos temíveis DI ou Deformadores Individuais, que contam com uma sinistra vantagem em seu plano de invasão da Terra: são capazes de se apossar das mentes dos terráqueos, trocando de corpos com eles. Tudo o que os DI precisam fazer é dominar os humanos em posições de comando para conquistar cidades inteiras. E é assim que a cidade de Nova Iorque sucumbe ao ardiloso plano dos Deformadores Individuais.
A trama é semelhante à de “Invasores de Corpos”, história de ficção científica e horror de Jack Finney publicada em 1954, que em 1978 foi transformada em um filme de grande sucesso (https://youtu.be/vc_0dlmSq7I). Uma vez que a saga de Perry Rhodan começou a ser escrita no início da década de 1960, esse “Socorro para a Terra” foi concebido depois que o livro de Finney foi publicado, mas bem antes do filme. Considerando outras coincidências interessantes (como o exército de mutantes de Perry Rhodan, que surgiu antes dos X-Men da Marvel), tenho para mim que esse também foi o caso quanto às semelhanças entre os Deformadores Individuais e os Invasores de Corpos: tudo não passou de simples coincidência.
Até porque esses são temas muito presentes no imaginário coletivo, inspirando continuamente o Zeitgeist (“espírito da época”). Assim como a bomba nuclear trouxe a pavorosa possibilidade das mutações radioativas, a Guerra Fria subsequente trouxe a constante ameaça dos espiões infiltrados de um lado e de outro da Cortina de Ferro. Em ambos os casos, é a prodigiosa imaginação dos escritores que fornece o alívio dramático para as tensões da vida real.
É digno de nota que a série Perry Rhodan tenha se originado na Alemanha, país que vivenciou intensamente os conflitos da Guerra Fria. Os alienígenas disfarçados são a perfeita tradução desse “inimigo oculto”, que pode ser qualquer um e estar em qualquer lugar, suscitando a paranoia generalizada. Algo que fica mais do que evidente no chavão máximo da intolerância do “nós” contra “eles”:
“Um DI morto era um DI bom.”
Bem significativa é a construção simbólica desse “outro” vilanesco: os Deformadores Individuais são fisicamente parecidos com gigantescas vespas, sendo maiores e mais pesados que os humanos. Contudo, apesar de sua aparência tão intimidante (a vespa é considerada um dos insetos mais agressivos), os DI são muito covardes, evitando qualquer possibilidade de confronto físico, preferindo agir nas sombras e à traição.
Esse outro trecho também é marcante por expressar essa que é uma das tônicas da série, a tecnologia possibilitando a superação dos medos:
“— Por que iriam suspeitar justamente de mim?
— A palavra justamente está fora de lugar. Hoje em dia suspeitam de qualquer pessoa. Basta, por exemplo, que ela tenha aparecido num sonho mau. Parece que todo mundo perdeu a razão. Só nos resta um consolo: dentro de pouco tempo nossa tecnologia nos ajudará a vencer tudo isso. Estão iniciando a construção de aparelhos que permitem a identificação de qualquer pessoa possuída pelos DI.”
A síntese final da aventura, com um laivo pessimista, antecipa as reflexões de cientistas como Stephen Hawking:
“Não estamos sós no mundo. Nós, os terráqueos, não somos os únicos. Outros seres existem. E alguns deles não são nossos amigos.”
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