annikav.a 30/12/2022
" Isso é de se esperar num casamento"
O conto é uma demonstração em prosa, autobiográfica, da misoginia existente na sociedade há séculos, mais recentemente desafiada, mas não superada. Além da prisão física determinada por duas autoridades masculinas, através da metáfora não tão sublime do papel de parede, aborda-se a prisão mental a qual as mulheres são submetidas pelo patriarcado. A narrativa de "histeria" feminina para invalidar nossos sentimentos e necessidades não nos é alheia hoje. A personagem se sente completamente sem esperanças de ser ouvida.
Também é uma exploração das origens e/ou da agravação das doenças mentais, da infantilização de uma pessoa nessa condição, e do gaslighting.
É um clássico feminista que ajudou, inclusive, a autora a se livrar da mesma recomendação médica de total isolamento na vida real. Essas são as qualidades.
Porém, não posso ignorar que a autora compartilhava das ideias eugenistas da época; mesmo sendo vanguardista no feminismo branco e propondo coisas muito interessantes como a socialização coletiva das crianças, não era capaz de observar as semelhanças da luta das mulheres, dos povos racializados, das PCD's, isso numa época em que o movimento feminista já se unia ao abolicionismo. Era indubitavelmente racista. Uma parte da crítica literária aponta que a escolha do amarelo "desagradável" para o papel de parede não foi em vão: refletia o medo da imigração asiática (a denominação racista dos mais diversos povos asiáticos era "amarelo"). Pessoalmente, não vi indícios disso no texto, mas tendo em vista o histórico da autora, não rejeito totalmente a possibilidade.