Henrique Fendrich 03/08/2015
Maria Ribeiro e a mão do tempo
O tempo é o deus em que Maria Ribeiro acredita. Não admira que o próprio nome de seu livro de crônicas seja uma alusão a ele – “Trinta e oito e meio” (Língua Geral, 2015) é, afinal, a idade da escritora, mais conhecida como atriz e apresentadora do programa “Saia Justa” do GNT. Ao longo de 35 crônicas, no entanto, Maria Ribeiro tem todas as idades possíveis. O seu grande tema, o seu leitmotiv, é mesmo a passagem do tempo. Ela se olha no espelho e vê o seu pai e sua mãe, vê aquilo que era deles e que agora é absolutamente seu, e quem sabe será dos seus filhos. Maria Ribeiro junta as pontas da história. E o destino, este brincalhão, faz com que ela perca o seu pai justamente no dia de aniversário do filho.
Nem sempre foi assim. A primeira consciência do tempo que Maria Ribeiro teve foi enquanto ouvia as músicas do “Bloco do eu sozinho”, do Los Hermanos – seus companheiros de Comunicação na PUC. Naquela época, ela ainda estava próxima das angústias dos 20. Já havia amado algumas vezes (a primeira, aos seis anos de idade), já havia deixado de ser a garota magrela e a adolescente roliça, já havia lido “Dom Casmurro”, já havia ficado nua diante de outro homem (mesmo hoje, passado tanto tempo, ainda convive com uma curiosa e incômoda consciência do seu corpo nu). Mas ela chegava aos 25, e foi só aí que percebeu que precisava tomar um par de decisões: comprou um Gol preto, uma aliança de casamento e decidiu fazer um filme – a vida, afinal, é para valer, agora e uma só, sem take 2. Maria Ribeiro descobriu que devia olhar para frente, mas que para isso era bom e útil olhar para trás.
Felizmente, a mão do tempo foi leve com ela. Havia se apaixonado pelo primeiro marido como se ainda tivesse seis anos. Desde que teve o primeiro filho, se tornou outra pessoa: “Há pouco em comum entre aquela impostora que usava meu nome, e a outra, que se tornou mãe”. Ah, os filhos, esses são uma verdadeira máquina do tempo… Não há dia em que ela não aponte lápis 2B ou reencontre atlas geográficos e apostilas de ciência encapadas com contact. Mas ela sabe que, em alguns anos, já não será páreo para tardes no boliche ou campeonatos de videogame com os amigos – isso sem falar nas garotas. Por enquanto, é preciso produzir o máximo de lembrança na pele dos seus garotos.
A vida, afinal, talvez seja isso: “Aos 25, perceber que é preciso fazer escolhas; aos 35 trabalhar e sorver a infância da prole, e aos 45 despedir-se dos pais e ter coragem pra ser o próximo. E se tudo der certo, o fim se dará por volta dos 90, quando já teremos levado os netos pra torcer pelo time do coração e nada então faltará pra vida ter feito sentido”. Claro, mas Maria Ribeiro estaria mentindo se dissesse que não tem medo do porvir. Porém, chegará aos 40 mais conformada (sabe que não é a gênia que seu pai previu, nem a moça elegante que sua mãe educou, tampouco a intelectual que o irmão gostaria). Ela já identificou o material genético de suas carências, ganhando com isso algumas preciosas horas no dia. Já aceitou os seus burguesismos – compra roupa quando está triste e também quando está feliz.
Além do mais, ela já encontrou um “Você”, com quem quer “renovar os votos de fingir que o verão não existe pelos próximos vinte anos”. Em meio às novas chances que o tempo oferece, afinal, às vezes o sonho encontra com a realidade. E sempre é tempo de tentar acertar. “Estou aqui, ainda dá tempo”, diz ela em uma crônica ternamente confessional em que se propõe a conversar mais com a irmã.
É preciso que se diga que Maria Ribeiro também reverencia Rubem Braga e Paulo Mendes Campos. Do contrário nem seria possível explicar textos tão bonitos como os escreve sobre pessoas que são importantes para ela. Verdade que ela sempre gostou de gente, mas o seu marido, os seus filhos, os seus pais, os seus irmãos, a sua afilhada e as suas amigas mereceram as páginas mais tocantes do livro. Há mesmo pessoas que não lhe são tão próximas, como Rodrigo Hilbert e Wagner Moura, que ganharam belos perfis, semelhantes aos que Fernanda Torres fez em seu livro de crônicas.
São textos singelos e sinceros, e Maria Ribeiro tem certo prazer em fazer má propaganda de si mesma – coisa que vem muito a calhar na crônica. É alguém que ama a França, mas, sobretudo, a “possibilidade de olhar pra trás e pra frente ao mesmo tempo”. E almeja: “Espero ter humildade e desapego para acompanhar cada um dos meus tempos no que eles tiverem pra oferecer, e se der para continuar vestindo 38 aí então é a glória”. Porque ela sabe que a vida pode até não ser justa, mas, pelo menos, é funda e bonita.
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