Paulo Sousa 27/03/2022
Leituras de 2022
Flores da ruína [1991]
Orig. Fleurs de ruine
Patrick Modiano (??, 1945-)
Record, 2015, 144p
Trad. Maria de Fátima Oliva do Coutto
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?No instante em que chegamos à Rive droite, após ter atravessado a pont du Carrousel e os arcos do Louvre, dou um suspiro de alívio. Nada mais tenho a temer. Deixamos para trás a zona perigosa. Sei bem que se trata apenas de uma trégua. Um dia terei de prestar contas. Experimento um sentimento de culpa cujo motivo permanece vago: um crime do qual participei na qualidade de cúmplice ou de testemunha, não saberia dizer com exatidão? (Posição Kindle 810).
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?Flores da ruína? é o segundo volume da chamada Trilogia Essencial, do escritor francês Patrick Modiano, prêmio Nobel de 2014. É o terceiro livro dele que leio (os outros foram o muito bom ?Para você não se perder no bairro? e o bom ?Remissão da pena?, justamente o primeiro da trilogia), mas a mesma temática segue o estilo do autor, acostumado a lidar em seus romances com memórias antigas, reconstruídas graças ao referencial geográfico da cidade de Paris, onde os livros são ambientados.
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Neste volume, Modiano busca reconstruir um evento trágico no distante ano de 1933, quando ocorreu o duplo suicídio de um jovem casal na periferia parisiense. É uma tarefa hercúlea, tendo em vista terem passado cerca de 30 anos do acontecido, halo temporal suficientemente grande até mesmo para a memória, essa pregadora de peças.
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Narrado em primeira pessoa, Modiano utiliza a técnica da pergunta para ir reconstruindo aquele evento onde o autor entremeia as próprias memórias, que se misturam àquela em particular, sendo muitas delas ligadas a andanças aleatórias pelos ?arrondissement? da Paris dos anos 30, levando o leitor a círculos e mais círculos (uma alusão à forma de caracol de Paris?) cujas camadas vão rejuvenescendo a tinta da memória.
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Modiano demonstra sua habilidade narrativa com o conhecimento de fato da cidade. Você como que se vê errando por Paris, flanando pelas margens do Sena, pelos boulevards, pelas places, absorvendo a atmosfera local. E nessas andanças, ele busca exorcizar os fantasmas que inevitavelmente levam-no a recobrar a culpa por, de alguma forma, ter sido cúmplice daquele crime do qual jamais se esqueceu, fazendo uma espécie de registro memorialístico misturado com romance policial.
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Olhando os comentários no Skoob sobre este livro, me chamou a atenção pela quantidade de leitores frustrados com a leitura de ?Flores da ruína?. Bem, não os culpo. De fato, a escrita de Modiano pode não ser uma boa para os leitores que preferem estórias mais dinâmicas, com mais cores e entreveros. Isso porque, à semelhança de um John Banville ou um Julian Barnes, Patrick Modiano tem uma escrita lúgubre, monotemática, saudosista, características que não agradam a todos. Eu não posso dizer que seus livros sejam maravilhosos e marcantes, mas há neles um quê de beleza suficientemente grande para instigar a caminhada por Paris e as muitas memórias encravadas por suas ruas. Vale!