Resenhas - Inferno


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Marc 17/09/2023

Não é fácil ler esse livro. Strindberg passa quase todo o tempo descrevendo seu sofrimento, seu encontro com as forças do oculto e suas manifestações. É irritante como ele descobre correlações absurdas das coisas mais banais com seu momento e como o maligno manipulava tudo a seu redor para o atingir. O ápice de minha irritação aconteceu quando ele disse que essas forças provocaram um tempestade e ele sentia que os raios eram tentativas fracassadas de o atingir. Qualquer pessoa com um pingo de racionalidade perguntaria, então, como seria possível que essas forças fossem tão poderosas a ponto de manipular o clima, mas não conseguiriam acertar um único raio nele, tão fraco e impossibilitado de reagir...

Quem já leu alguns livros de antropologia, em especial “O Ramo de Ouro” de Frazer, sabe como a magia “funciona”. Há, inclusive, categorias como a magia simpática e a por contato. A primeira acontece por similitude, por exemplo, ao realizar uma ação em um objeto, símile da pessoa que se pretende afetar, ela sentirá os mesmos efeitos. Ou a quiromancia, horóscopo, etc, onde o movimento dos astros, ou as linhas das mãos, revelam todo o destino da pessoa. Já a segunda, acontece como uma forma de extensão do corpo que se pretende alcançar, através de uma roupa, objeto pessoal, qualquer coisa que tenha tido contato com a pessoa.

Quem conhece esse tipo de leitura vai reconhecer a maneira como Strindberg descreve boa parte das situações que passa ao longo do livro. É uma pessoa que não apenas se envolveu com alquimia, como estudou misticismo e ciências ocultas. Ele teve uma boa dose de todas as coisas, procurando dar sentido a sua vida e terminou pagando o preço. Não são poucas as vezes em que ele relaciona dessa maneira a forma de uma pedra a um trecho da Bíblia e depois conclui citando um místico que lia na época. É claramente o raciocínio de uma mente que não consegue enxergar as diferenças entre todas as coisas que lidava, que não via ordenamento no mundo e pensava que a magia era uma forma de acessar um conteúdo secreto no mundo, como um código que abrisse todos os mecanismos e tornasse aquele que o possui mais poderoso do que o restante dos mortais. Não pense que isso é um delírio, porque tenho certeza que você assistiu e gostou de “Matrix”, onde apenas os termos são diferentes, mas o raciocínio é o mesmo. Pois é...

Isso torna o livro não apenas enfadonho, mas uma seqüência de afirmações dispensáveis, sem sentido e que não acrescentam nada ao leitor. A não ser que ele procure enveredar pelos mesmos caminhos.

Hoje sabemos muito mais sobre as questões psiquiátricas e como elas costumam iludir aqueles que estão doentes. A mania de perseguição, por exemplo, que ele apresenta sintomas constantemente — mas era impossível levantar a hipótese de estar errado e doente. Inclusive, o texto final trabalha nessa chave de entendimento sobre a crise de Strindberg, tentando encaixar todo o seu comportamento numa crise psicológica de moderada a grave. E isso faz muito sentido, de modo que não serei eu a negar essa interpretação e afirmar o efeito da magia. No entanto, o que esse texto — propositalmente — não faz é lidar com o último capítulo do livro. É aqui que tudo se encaixa e o autor, já recuperado, consegue lidar com o significado de tudo que viveu.

Strindberg se tornou católico após os acontecimentos narrados no livro. “Buscar a Deus e encontrar o diabo! Eis o que me aconteceu!” (p. 208). Aqui está o resumo do livro. É em busca de sentido na vida que o autor envereda por qualquer coisa que lhe caia nas mãos, se deixando levar e seduzir pelas doutrinas mais diferentes e antagônicas possíveis, sempre imaginando que será capaz de dar conta de tudo e extrair um conhecimento purificado, que o colocaria em uma situação privilegiada frente à realidade. Aliás, ao mesmo tempo que levava à sério a alquimia, ela serve como metáfora para sua condição: purificar toda a matéria bruta de sua vida até transformá-la em ouro. Essa obsessão é recorrente em pessoas que consideram sua vida desperdiçada ao mesmo tempo que julgam estarem destinadas a algo espetacular.

O que é o inferno que Strindberg viveu, portanto? É o sofrimento de uma alma desorientada, que mergulha fundo em qualquer simulacro de sabedoria ou salvação, que dirige sua vida para os recantos mais obscuros e podres possíveis, sempre na espera de encontrar salvação a cada gole de veneno que toma. Mas o principal estava ali, que era o desejo de encontrar salvação real. Em momento algum ele parece ter se apegado ao lamaçal como se ele fosse a única alternativa. Mesmo bastante desorientado, enfrentando sofrimento psicológico e físico, somatizando o estado emocional, ele ainda manteve o sentimento de que estava lidando com a coisa mais importante de todas: sua salvação. E isso serviu como um tipo de guia inconsciente, à qual ele se agarrava durante a tormenta, mas involuntariamente.

Pode parecer exagero, mas eu acredito em tudo que ele escreveu. Não no sentido de que a magia tem poder e o oculto o atormentou, mas de que o sofrimento era real, independentemente das causas. É assim que Deus conduz algumas pessoas até Ele, às vezes, permitindo que elas sofram, não por sadismo ou indiferença, mas para que nelas a fé seja visceral. Quem leu Santo Agostinho sabe como isso pode acontecer. Enquanto algumas pessoas tem o caminho bem pavimentado e tranqüilo, sempre com um sol brilhante, outras enfrentam abismos, furacões e granizo. E embora ele tenha usado o termo “inferno”, poderia muito bem colocar um subtítulo como “essa foi a cruz que conduzi em meu calvário”, pois é o sofrimento que padecemos que nos salva, não o sucesso ou os grandes momentos de prazer e alegria. E isso fica tão claro no livro, ele o percebe de uma maneira tão profunda, que nem precisa ficar descrevendo o movimento de sua alma. O final do livro é tão diferente do restante que nos surpreendemos. O tom de aflição desaparece e surge uma enorme serenidade. E ele incorpora tudo que havia lido de uma maneira bem diferente: a transmutação que tanto buscara de fato havia acontecido dentro dele mesmo.
denis.caldas 18/09/2023minha estante
Brilhante resenha! Parece, em parte, com a caminhada do rei Salomão, que experimentou de tudo para, no final da vida reencontrar-se com Deus e ainda escrever diversos provérbios. Vanitas et vanitas...


Marc 19/09/2023minha estante
Agradeço a leitura e o comentário, Denis. Eu fiquei muito impressionado pela vivacidade dos sofrimentos que ele descreve, ao mesmo tempo em que salta aos olhos a maneira vulgar que seu pensamento foi acondicionado pela mistura de filosofias e doutrinas que teve acesso. E no fim, sem dizer como aconteceu, mas nós sabemos como: não por inteligência ou obra sua, mas de Deus - sua contribuição foi propiciar que isso acontecesse, pelo empenho e pela sede de verdade que havia dentro de si.


Pedróviz 01/10/2023minha estante
Mais uma ótima resenha sua.
Sim. Atribuir eventos ruins da vida que são fruto das contingências a maldições,  magia ou a manipulação diabólica é algo irracional. O  diabo age sobre nós de uma unica forma: induzindo desejos, sentimentos e pensamentos inadequados. Temos o livre arbítrio para seguir, para acatar essas sugestões ou não.  Agora, que o sofrimento é o pavimento da estrada que muitos de nós (suponho que a maioria) temos de percorrer para chegar a Deus,  isso é a pura expressão da verdade.


Marc 01/10/2023minha estante
Agradeço a leitura e o comentário, Pedro. O que mais achei interessante nesse livro foi a maneira como ele descobriu apenas sofrimento nessa procura mística que igualava tudo, até mesmo Deus, a qualquer sortilégio vindo de um charlatão qualquer. Não tinha como ser diferente, já que seu olhar estava profundamente equivocado. Mas havia ainda a necessidade de chegar a Ele. E isso o salvou, ou melhor, o direcionou. E, por ser muito real, não parece nada com esses best sellers que aparecem de vez em quando, só com historinhas pasteurizadas e muito fáceis de redenção.




daparafuseta 26/08/2018

o diabo, provavelmente
O livro é escrito em uma narrativa em espiral muito instigante. A atmosfera de horror e escuridão que o personagem descreve vai criando força e forma e aos poucos contamina a mente de quem lê. Em certos momentos o delírio é tão grande que achamos que o que estamos lendo talvez nem esteja escrito, mas que já fomos tragados pelas artimanhas do demônio.

O ponto mais interessante da leitura é justamente observar a mente desse narrador, que ao mesmo tempo em que procura desvelar o oculto, carrega muito medo, culpa e valores incoerentes aos que desejam praticar magia.

Não por acaso, Aleister Crowley** atribuiu ao livro qualidade narrativa, mas criticou a excessiva vitimização. Por fim, se você não entrar no Inferno com Strindberg, você vai achá-lo um mala.

(**Recomendo aos interessados a leitura do artigo que explora a recepção do livro Inferno por Crowley : Aleister Crowley Reads Inferno Towards an Occult Reception of Strindberg)
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Joachin 02/12/2012

Nascido em 1849 e falecido em 1912, esse escritor sueco construiu a obra Inferno em meio a um surto psicótico estimulado por um estilo de vida solitário e errante em Paris. Inferno dilui as fronteiras entre escrita confessional e narrativa ficcional, ora assumindo feições de um diário atormentado ou de um romance sombrio.

Essa obra de Strindberg localiza-se em uma zona limítrofe entre a arte, a ciência e o ocultismo. O inferno, dentro dessa ótica, é o próprio palco da história e os mortos são convocados pelo escritor para consolarem e administrarem o mundo dos vivos. Assim, Strindberg almeja consolar aqueles que são atingidos por "insônias, pesadelos, as aparições, as angústias e as palpitações" (p. 204), considerando-os portadores de uma gloriosa graça divina.
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Paulinha 22/08/2012

Complexo
Inferno, de August Stringberg, escrito em 1897, lançado em 2009 pela editora 34, fala sobre o inferno de um homem solitário, triste, complexo, amargurado e paranóico.

August Strindberg nasceu em Estocolmo (Suécia), em 1849 e, antes de ser escritor, foi professor, ator e jornalista. Teve uma vida marcada por crises de esquizofrenia e misticismo, e morreu em 1912.

É sobre seus últimos anos em Paris e suas crises esquizofrênicas que fala esse livro.

Quem sou eu, pobre mortal, para falar do autor de algumas das peças mais importantes do teatro moderno? Ou pra falar de um escritor completo, com textos dramáticos, romances, contos, poemas, escritos sobre história, sociologia, física e química? Ninguém.

Mas, a minha humilde opinião é de que o livro retrata bem o que se passa na cabeça de alguém tão complexo. E isso reflete na forma como você lê. Ou seja, apesar de sua leitura fluente, não é fácil, nada fácil. E, confesso, não foi o tipo de leitura com a qual eu sinto prazer. Mas isso é uma opinião pessoal.

Isso também não significa que o livro seja ruim, longe disso. É um livro bom, a história reflete bem o título do mesmo. Que Inferno! Como deve ser difícil a vida de alguém tão paranoico, louco, inconstante, como Strindberg.

Aliás, uma coisa que gostei foi o fato de ver o pensamento do Strindberg mudando durante o livro, gradualmente, conforme os detalhes vão ocorrendo.

Recomendo, mas com cautela. Ele pode até ter sido um gênio mas, como eu já disse, a leitura, apesar de fácil, é pesada. Talvez não recomendaria para algumas pessoas ou para alguns gostos literários.
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