spoiler visualizarbarbietheking 20/02/2024
Sofreu mais que Jesus
Esse sexto livro das Crônicas Vampirescas foi um presente divino que Anne Rice proporcionou para todos nós, Armand Lovers. "O Vampiro Armand" conta, em muito mais detalhes, a breve história que tínhamos conhecido em "O Vampiro Lestat", agora pela boca do próprio Armand, que nos leva desde o rapto em sua infância até o ponto em que lhe deixamos em "Memnoch, o Demônio". E eu preciso dizer, meu deus não é à toa que ele é assim.
Armand sempre foi muito intrigante pra mim, desde quando, ainda em Entrevista com o Vampiro, ele não passava dessa figura misteriosa e manipuladora que caiu no charme do Louis e que estava disposto a fazer o que fosse necessário para tê-lo todinho pra si. Mas ainda assim, ele não era muito mais que isso pra mim, só mais um vampiro tentando usar o Louis para os próprios interesses.
Foi em Vampiro Lestat que eu me apaixonei completamente por esse personagem e que ele ganhou o título de meu favorito das Crônicas. O contraste da primeira vez que Louis vê o Armand no teatro e da primeira vez que o Lestat vê o Armand na igreja me deixou completamente confusa, afinal como pode o cara descrito repetidamente pelo Louis como estonteante estar todo mulambento como o Lestat descreve? O que aconteceu pra chegar de um extremo ao outro? E é claro que nós descobrimos a resposta na parte dedicada à história de Armand no segundo livro, e é claro que esse capítulo foi a solidificação dele na minha lista de queridinhos.
Mas é muito diferente ter lido a história do Armand pelos olhos do Lestat e agora estar lendo pelos olhos do próprio Armand. Na verdade, acredito que esse seja o grande trunfo de "O Vampiro Armand". Em todos os livros anteriores, todas as aparições do Armand eram descritas pelos olhos de outra pessoa (fosse o Louis, fosse o Daniel, fosse o Lestat), e essa era, em grande parte, a razão de ele se manter tão misterioso aos meus olhos. Mas é praticamente impossível manter esse tipo de distanciamento neste sexto livro, quando tudo é contado de maneira tão pessoal, tão vulnerável, tão próxima do Armand. Ele finalmente fala por si mesmo e nós finalmente podemos entendê-lo de maneira mais profunda.
Claro que essa característica do livro faz com que seja uma história muito mais ligada aos personagens do que a um enredo propriamente dito, quer dizer, o ponto deste livro não são reviravoltas mirabolantes ou aventuras sem pé nem cabeça como as que estamos acostumados em volumes anteriores das Crônicas. O ponto é o Armand e a história da vida dele, é sobre os relacionamentos dele ao longo dos anos, sobre todas as coisas que foi forçado a passar, sobre a relação dele com a religião e sobre o que poderia tê-lo levado a fazer o que fez perto do fim de Memnoch. Existem sim certas partes que podem ser cansativas e também algumas que dão a impressão de ser a mesma coisa em dois lugares diferentes. Além disso, esse livro é o que mais tem conteúdo sexual entre todos os seus antecessores (sim, incluindo A História do Ladrão de Corpos e Memnoch, confia!) e também tem um forte teor religioso, sendo tudo isso coisas que podem afastar alguns leitores. Mas eu preciso dizer, e talvez eu seja suspeita a falar, que todos esses elementos enriqueceram o livro pra mim e são alguns dos vários motivos de eu amá-lo tanto.
Se eu precisasse resumir este livro em dois elementos, seriam estes: culpa cristã e a eterna busca por amor. Assad Zaman, o ator que interpreta Armand na série da AMC, falou em uma entrevista que o Armand era simplesmente desesperado por amor, por amar e ser amado, e é a mais pura verdade. Durante toda sua história, a busca pelo amor foi definidora, e não qualquer amor, mas um amor profundo, obcecado, devocional. Andrei encontra esse amor em Jesus Cristo e na Igreja Ortodoxa, Amadeo encontra esse amor com Marius e os outros aprendizes em Veneza, Armand é completamente atormentado justamente por não conseguir achar esse amor em lugar nenhum pela maior parte de sua vida. Ele precisa de algo pra se devotar completamente, o que é triste por si só, mas que fica ainda pior quando me lembro que, pela maior parte de sua longa vida de 500 anos, ele esteve perdido quanto a isso.
Quanto à questão da culpa cristã, devo dizer que na verdade vai um pouco além do que este conceito pode ilustrar. A religiosidade em Vampiro Armand é um ponto central da trama por ser um dos principais dilemas de sua vida e, surpreendentemente, é uma das coisas mais bonitas do livro pra mim. Eu tenho opiniões fortíssimas quanto a Memnoch e a decisão da Anne Rice de incluir a religiosidade daquela maneira na série, mas eu simplesmente amo o lugar dela em Vampiro Armand. Talvez seja isso, afinal: que a religião tenha um lugar nessa história, diferente do livro anterior.
Andrei cresceu como um cristão ortodoxo e, logo que seus dotes artísticos foram descobertos, foi levado para viver no mosteiro, onde o conceito de religiosidade estava intrinsecamente ligado ao sofrimento, à abnegação, à devoção absoluta às custas do próprio bem-estar. E então ele é sequestrado e não apenas levado para uma terra cheia de pecado, mas é obrigado a viver na própria passagem pro inferno. Claro, tudo isso até que ele seja resgatado por Marius, momento em que Andrei se torna Amadeo e a uma nova filosofia religiosa lhe é apresentada. É tão óbvio que esse é um ponto de ruptura, em certo nível, com as crenças anteriores que na própria cena do resgate Amadeo acredita que Marius é o próprio Jesus Cristo que veio lhe salvar (o que é um indicativo, de certa maneira, de como nesta parte de sua vida o deus que Amadeo adora é o próprio Marius, seu mestre).
Como Amadeo, ele descobre uma vida cheia de amores e prazeres, contrária a tudo que viveu no mosteiro. E não falo só do prazer sexual, que foi uma graaande parte dessa mudança, mas de todos os outros. De se vestir luxuosamente e comprar o que quiser, de poder comer e beber com fartura, de consumir montes e montes de arte livremente, de poder estudar pensadores do passado e um milhão de outras coisas e, claro, eventualmente, do sangue e da morte.
É muito interessante essa dicotomia de filosofias na vida do Armand, e como ele parece conciliar as duas coisas depois da visita a Kiev, quando ele já é um vampiro. E meu Deus, que capítulo destruidor foi o de Kiev! Definitivamente minha parte favorita do livro, acho que nem a icônica "se eu sou um anjo, me pinte com asas negras" (sim, vai lá Edgylord...) consegue superar o quanto eu amo Kiev. Saber o que aconteceu com a família do Andrei, o reencontro dele com o pai, a parte que ele volta no mosteiro, meu Deus, sem igual!! Mas, de fato, a melhor parte de tudo é o Amadeo finalmente podendo fazer as pazes com essa parte do passado dele e encontrando certo equilíbrio entre tudo que aprendeu no Mosteiro e tudo que aprendeu com o Marius.
Infelizmente, felicidade de pobre dura pouco né, porque logo depois lá vem desgraça. E a desgraça chega na forma dos Filhos da Escuridão que literalmente tacam fogo em tudo, inclusive no Marius. E então, mais uma vez, Amadeo é raptado de sua casa e forçado a viver contra seus próprios princípios. Ele é torturado, é obrigado a passar fome, obrigado a assistir todos os outros aprendizes sendo queimados vivos, obrigado a se alimentar do Riccardo que era um grande querido seu e, finalmente, obrigado a aceitar uma vida tão semelhante àquela que ela rejeitou pouco tempo antes. É o nascimento de Armand.
Muito interessante também como a doutrina dos Filhos da Escuridão espelha a doutrina ortodoxa do Mosteiro de Kiev, até mesmo em se enterrar vivo. Mais um culto baseado na fé cristã né. E, apesar de pouco antes ter jurado pra si mesmo que nunca iria se render a uma vida dessas, Armand "se converte". Muito triste, mas não surpreendente, considerando que durante todo o livro ele vive em conflito entre esses dois lados e agora um desses lados se foi para sempre. Marius se foi, os aprendizes se foram, Veneza se foi. Armand não tem mais nada em que se agarrar, apenas aquilo que é lhe é forçado.
E assim chegamos à Ponte dos Suspiros. São séculos de lavagem cerebral nesse culto, acreditando que aquela vida era o que ele merecia, que era isso que significava ser um vampiro, até o Lestat finalmente chegar e acabar com tudo. Claro que o culto ter acabado não significa que o Armand finalmente se encontrou pois, como sabemos de todos os livros anteriores, o coitado continua na merda (e cometendo atrocidades, claro né). Temos o teatro, depois Louis, depois Daniel, mas nada realmente parece o preencher (mesmo que ele tenha amado Louis e Daniel). Não é a toa que, à primeira vista de uma prova da existência de Deus em Memnoch, o Armand imediatamente quer se fazer um sacrifício, afinal mesmo depois de todo esse tempo a religião continuou sendo a única coisa que ele "tinha".
Enfim, depois de todo esse rolê, finalmente chegamos onde paramos no livro anterior e entendemos como que o Armand sobreviveu. Benji e Sybelle são perfeitos, queridíssimos, e nunca fui tão feliz vendo o Armand com a familiazinha dele (e nunca quis tanto macetar o Marius na porrada como quis no último capítulo deste livro). Amo muito a cena da capela, Armand e Lestat 100% aminimigos. Quero muito ver o que vai ser do Armand agora que o próprio Cristo rejeitou ele. Em outro momento, acho que teria destruído o coitado, mas agora ele tem os filhinhos dele. Armand seja feliz por favor kkkkkkkkkkkkkk