Jaime Bunda e a morte do americano

Jaime Bunda e a morte do americano Pepetela




Resenhas - Jaime Bunda e a morte do americano


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Manuel Gimo 03/02/2018

Jaime Bunda... O Agente Secreto Angolano.
AUTOR: Pepetela
TÍTULO: Jaime Bunda e a morte do americano
LOCAL DA PUBLICAÇÃO: Alfragide
EDITORA: Publicações Dom Quixote
ANO DA PUBLICAÇÃO: 2003
PÁGINAS: 256
FORMATO DO LIVRO: eBook (ePub)

SINOPSE:

Então não havia o Afeganistão, a Somália, o Irão ou a Colômbia, países ideais para um americano morrer de morte matada, sem levantar muitas comoções nem pasmos, pois eram territórios já habituados a serem tratados de promotores e antros de horripilantes anti americanismos ? Aí tanto fazia, mais um menos um, não provocava qualquer crise mundial. Porque iria logo escolher a pacífica Benguela, onde, de memória de gente, nunca nenhum americano tinha morrido, nem mesmo quando os ianques andaram a apoiar, abertamente ou de caxexe, os famigerados terroristas, linguagem oficial de um dos lados, lídimos e heróicos defensores da democracia no dizer do outro lado? Mas foi isso que aconteceu, o engenheiro gringo bateu subitamente a caçoleta na pachorrenta cidade das acácias rubras, para grande tristeza e preocupação dos governantes, locais e nacionais, e perante a indiferença da maioria da população, ocupada na legítima e cada vez mais problemática azáfama de sobreviver.

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«– Veio de Luanda um craque dos SIG, sabem o que é?�
– Eu, não – disse Júlio, finalmente interessado.�
– Serviços de Informações Gerais. Claro que o nome não diz nada, como sempre nestes casos. Mas é a polícia mais secreta de todas, a polícia das polícias, a que controla todas as outras, directamente ligada ao Bunker.�

Deusdado falou pela primeira vez desde que chegou o jornalista. Sempre na sua voz calma, bebericando no copo de uísque.�
– Então é para valer. Os SIG são a sério, não brincam no serviço. O Governo deve ter sido apertado pelos americanos.�
– Claro – disse Gouveia. – O dito agente tem uma característica particular, manda uma bunda daquelas... Aliás, o nome dele é Bunda, Jaime Bunda. A minha fonte diz que é das mentes mais finas da bófia, um espanto. E como quem o vê não dá nada por ele, acaba por enganar todos.» (p. 96)

Depois de conhecer as peripécias do Jaime Bunda em "Jaime Bunda, Agente Secreto" (2001)¹, seu livro de estreia, resolvi o conhecer ainda mais lendo o segundo livro protagonizado por si. E claro, conhecer mais a escrita de Pepetela, um dos maiores escritores angolanos da actualidade.

« Talvez por reparar na admiração e entusiasmo dos outros em relação ao rapaz do grande mataco, Shirley se virou para ele e com a voz mais melosa, que criou espessos ciúmes no comandante da polícia, perguntou:�
– Mas afinal como é mesmo o seu nome? Só o conheço por Jaime…�
– Bunda, Jaime Bunda.» (p. 156)

Em "Jaime Bunda e a morte do americano", Pepetela leva Jaime Bunda à Benguela, sua cidade natal, para desvendar a morte dum engenheiro americano. Designado pelo seu primo D. O. (Director de Operações), o agente de largo mataco (bunda) parte imediatamente para a dita cidade. Pela primeira vez fora da sua amada Luanda, o kaluanda (luandense) Bunda vai dirigir, mais uma vez, uma investigação de alta importância, com repercussões internacionais. Vai provar que seu primo D.O. não estava errado a seu respeito e que ele é um verdadeiro bófia digno de estar no Bunker. Um exímio detective! Que de um caso vai se colidir com outros casos, como roubos nos comboios e tráfico infantil.
E quanto as investidas de Bunda para impressionar a efebêista (agente do FBI) Shirley, apesar de muito engraçadas, mostram que o nosso herói também é humano. Não que isso não fosse mostrado no livro anterior (lembremos-nos do que Bunda foi capaz de fazer pela Florinda) mas esse tipo de desenvolvimento é muito bem vindo além de ser enriquecedor.

«É [...] o pacto dos poetas com a sociedade. Dizer coisas que não são ouvidas.» (p. 230)

Pepetela mostra-se um escritor engenhoso, misturando a sua ficção com factos históricos e tecendo, como esperado, críticas político-sociais que também não fogem muito da nossa realidade moçambicana. Pepetela coloca em cerne a constante presença dos EUA em Angola, em África em geral e no mundo dito de grosso modo, através de suas muitas organizações governamentais e de boa vontade. A crítica está em cada parágrafo minuciosamente explícita. É de agradar os olhos. E a questão dos novos-ricos é mais bem explorada aqui, o que me agradou muito.
Quanto a estrutura da obra, o narrador principal do primeiro livro (o que fora demitido e perdoado posteriormente) toma as rédeas, mas sob constante observação do autor, como evidenciado ao longo da narrativa. Os Epílogos (são três) ficam a cargo do autor (bom, na verdade verdade, o autor fica com os últimos dois epílogos). No entanto, este "Jaime Bunda e a morte do americano" não chega aos pés do seu antecessor que é muito superior em muitos aspectos (que alguns são até repetidos), a começar pela trama principal que começa meio que num ritmo lento. O bundão só salva a história lá já no meio da trama depois de muitos rodeios, que na essência não é nada mal pois é aí onde entram o Júlio Fininho, "o Robin dos Comboios" e a mulata Maria Antónia. A história dos dois é muito bem contada e a coincidência com a história de 50 anos atrás torna-a mais alegórica. E falando em personagens, o livro só tem os interessantes, de Nicolau passando pelo Aguinaldo Trindade até ao grupo "Língua de Fogo". E como esquecer o infame Charlô Qualquer Coisa? Personagens cativantes que fazem parte duma boa história de um óptimo escritor.
Africanos podem, sim, escrever romances policiais.

«A sorte encontra quem a procura.» (p. 110)

Enfim, esta é uma dolorosa despedida ao Agente Secreto uma vez que este é o último livro protagonizado por si até o momento. Uma pena pois "Jaime Bunda" dá um bom título à uma saga. Espero que Pepetela tenha, um dia, a bondade de abrilhantar-nos com um terceiro volume (e um quinto, um sexto e até porquê não um sétimo?). Mas enquanto isso não acontece, espero, em breve, ler outras obras deste autor.

«Toda a gente merece alguma esperança.» (p. 191)

OUTRAS CITAÇÕES:

«Mas haverá portas que dólares não abram?» (p. 8)

«Cada um tem a vida que quer, ou melhor, que pode.» (p. 39)

«Paixão é assim, transforma o covarde em corajoso, o gombelador em virgem noviça.» (p. 39)

«Quando é para salvar a vida, todos os preconceitos são esquecidos.» (p. 71)


«[...] nunca matamos definitivamente o marginal que temos dentro de nós, mesmo se só por medo de o revelar [...].» (p. 162)

«Os ladrões tornam-se moralistas para defender o que sacaram.» (p. 226)


AVALIAÇÃO: 9.8/10

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Review by: Manuel Gimo

site: www.fb.com/manueltchatche.rmt
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