@fabio_entre.livros 14/09/2015
Um panorama inusitado... e indispensável
Gosto de filmes dramáticos que possuam um forte contexto histórico, especialmente aqueles que se passam durante ou nos intervalos entre as Grandes Guerras; há pouco tempo assisti a “O paciente inglês”, de Anthony Minghella e vários aspectos do filme chamaram-me a atenção, da consistência do roteiro aos aspectos técnicos, como a magnífica fotografia. E, como ocorre com todos os filmes de que gosto particularmente, senti a necessidade de conhecer a obra literária que deu origem a esta significativa produção cinematográfica.
Assim, li o livro de Michael Ondaatje e as impressões deixadas são tão distintas que é difícil expô-las de modo imparcial. Como já é sabido, a obra se passa numa villa italiana devastada pela Segunda Guerra e agora abandonada, exceto pelos quatro personagens peculiares que se encontram inusitadamente naquele lugar, e sobre as quais gira a trama: Hana, uma enfermeira que decidiu ficar na villa quando todos foram embora; o “paciente inglês”, um homem ferido, vítima de um desastre aéreo, de identidade desconhecida, de quem Hana está cuidando; Kip, um indiano especialista em desarmamento de explosivos, que acaba de chegar à villa; e Caravaggio, um espião/ladrão italiano, que conhece Hana desde a infância dela. Estes personagens tão heterogêneos são ligados de forma intrincada na narrativa belíssima de Ondaatje, que une suas vidas e seus destinos com o fio do perfeccionismo literário. Digo isso porque o romance se projeta em várias camadas temáticas e de estilo, obtendo êxito em todas; assim sendo, “O paciente inglês” é um romance histórico, mas também psicológico, de espionagem e com flertes às histórias de aventura e amor.
O autor alterna brilhantemente – às vezes em períodos ou parágrafos consecutivos – pontos de vista do narrador em 3ª e 1ª pessoa (de cada personagem); em ambos os casos, vasculha os recônditos psicológicos deles, sobretudo do “paciente inglês”, revelando aos poucos e sem seguir uma ordem cronológica, seu passado e seu conturbado relacionamento extraconjugal com Katharine Clifton, que, por sinal, é o foco maior da versão cinematográfica.
A escrita de Ondaatje é fascinante, em termos de linguagem, elegante e poética, densa e dotada de tamanha sensibilidade e inteligência que por vezes me fez lembrar do estilo de Ian McEwan em sua melhor forma, no livro “Reparação”. A obra é repleta de referências históricas que se mesclam à ficção de modo quase inextricável, o que confere à trama uma verossimilhança espantosa. Outro ponto relevante no livro é a riqueza de referências literárias de áreas específicas – como geografia e história – e da literatura universal, como John Milton e Tolstoi. Escrito num estilo crivado de metáforas e outras figuras de linguagem que conferem beleza e profundidade à história, Ondaatje constrói um poderoso panorama de vidas cujas perspectivas foram irreparavelmente arrasadas pela brutalidade da guerra.
Embora seja um romance relativamente curto, com pouco mais de 200 páginas, é, sem dúvida, uma obra monumental em conteúdo. Para quem também gosta de obras densas com sólidas bases históricas e, de quebra, com um excepcional delineamento psicológico dos personagens, “O paciente inglês” é indispensável.