Maristela 22/03/2023
O rosto duma mulher moça tem a calma, o brilho, o frescor da superfície de um lago.
A fisionomia das mulheres só começa a ter significação aos trinta anos. Até essa idade, em seu rosto os pintores só encontram o rosa e o branco, sorrisos e expressões que repetem um mesmo pensamento, pensamento de juventude e de amor, pensamento uniforme e sem profundeza; mas, na velhice, tudo na mulher falou, as paixões se lhe incrustaram no sem-blante; ela foi amante, esposa, mãe; as mais violentas expressões da alegria e da dor acabaram por lhe alterar, por lhe torturar as feições, estampando-se em mil rugas, cada qual com a sua linguagem; e um rosto de mulher torna-se então sublime de horror, belo de melancolia, ou magnífico de calma; se é permitido prosseguir nessa estranha metáfora, o lago dessecado deixa ver então os traços de todas as torrentes que o produziram; um rosto de mulher velha não pertence então nem mais ao mundo que, frívolo, se espanta de perceber nele a destruição de todas as idéias de elegância a que está habituado, nem aos artistas vulgares que nele nada descobrem, mas aos verdadeiros poetas, àqueles que têm um sentimento do belo independente de todas as convenções em que repousam tantos preconceitos referentes à arte e à beleza.
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