Leandro Matos 12/08/2015A História do Corpo Humano | Evolução, saúde e doençaO professor de biologia evolutiva de Harvard, Daniel E. Lieberman trouxe uma proposta no mínimo original: biografar o corpo humano, como uma figura histórica, contextualizá-lo como um personagem que segue firme encenando e adaptando seu papel no cíclico curso da vida.
Onde conhecer esse relato? No recente livro publicado pela Editora Zahar: A História do Corpo Humano.
O desafio é ousado e o resultado foi mais que satisfatório, pois o britânico vai longe com sua empreitada e entrega um livro que passeia pelas eras dos corpos primitivos até o nosso “corpo atual”.
Da mastigação ao caminhar, existiu inúmeras adaptações evolutivas para definir o padrão físico e estrutural do corpo de hoje. Uma lacuna temporal que foi sendo preenchida gradativamente com tentativa e erro, com necessidade e utilidade. Como um romance de formação, o autor subdividiu o título em tópicos, três principais etapas onde a história das determinadas partes do corpo humano, em face do tempo e de outras espécies, são discriminadas com fascínio e desenvoltura pelo professor.
EVOLUÇÃO
A formação craniana, a dentição, tamanho e formato específicos de membros são detalhados no livro em uma abordagem clara e ricamente ilustrada. Por exemplo, o siso – o popularmente chamado dentiqueiro – é um “item” do nosso corpo que possivelmente dentro da próxima era, não existirá mais! A evolução é prática. Não usa? Descarta!
Nos homo erectus, com sua dieta rica em raízes secas e frutas duras, eram mais que necessários dentes fortes para laboriosamente despedaçar o sempre difícil alimento. Com a convivência em bandos e com noções de agricultura, foram inseridos alimentos mais macios, que não requeriam tanto tempo e força.
Outro apontamento interessante no livro é sobre a tolerância à lactose, que é a incapacidade do corpo digerir esse tipo de açúcar. Mas porque algumas pessoas sofrem desse mal? Já se sabe que essa deficiência ocorre por conta de uma enzima que deixa de processar esse açúcar, o que autor explica, é que a adição de alimentos processados/derivados do leite na dieta alimentar é bastante recente. O corpo levou milhares de anos para se adaptar a processar determinados tipos de alimentos e o leite já seria novato nessa lista. As pessoas que sofrem desse mal, apresentariam em seus genes, resquícios desses primeiros homens que também não digeriam bem esse alimento e até então só estavam acostumados a comer frutas, raízes e quando tinha sorte, carne.
E ainda há espaço para a “desevolução”, com a permissão do neologismo do termo – que, diga-se de passagem, sequer foi aceito pela comunidade cientifica – serviria para determinar alguns aspectos no homem (ou em animais) que vez ou outra, retornam às suas características inicias. Crianças que nascem com “caudas”, cobras com patas ou galinhas nascem com dentes? Todos são exemplos de atavismo.
SAÚDE e DOENÇA
Na segunda e terceira parte do livro, estão detalhadas as diversas características e curiosidades relacionadas ao corpo no que condiz a saúde e a doenças que afligem a humanidade.
Nessa etapa, Lieberman conduz o livro quase como um romance, pois faz do corpo humano protagonista numa história, onde este personagem luta para se manter em paz consigo mesmo (com saúde) e se arma, diante de qualquer (doença) inimigo para seguir pleno até onde é possível.
Toda a cadeia de eventos, que ocorre dentro e fora do corpo que leva uma pessoa a ser hipertensa ou a desenvolver diabetes é fascinante do ponto de vista narrativo, claro. O autor constrói um enredo completo e maravilhosamente interessante para qualquer tipo de leitor. Seja você, curioso, leigo ou sapiente no assunto.
Alzheimer, obesidade, problemas ósseos e os mais diversos tipos de cânceres são especificados no livro quase como um guia do que fazer e evitar, para não adquirir e quando já se tem, respectivamente.
De forma bastante dinâmica, Lieberman ainda fala sobre dois conceitos até então novos para mim, evolução cultural e doenças de desajuste. Outra razão para ler este livro (.)
A tradução da sempre habilidosa e experiente, Maria Luiza X. de A. Borges mais uma vez é destaque à parte na edição. A tradutora (que também já escreveu livros infantis) já acumula mais de 100 títulos traduzidos somente para a Editora Zahar, que vão de clássicos a infantis. Nesse em questão, ela seguiu a risca o dever mínimo de todo tradutor: não deixar transparecer que o texto foi traduzido, deixá-lo claro, livre e fluente para que a leitura siga sem encontros com palavreados, ou expressões regionais ou do cotidiano que empobrecem e marcam o texto com características que deturpam o original.
....
Alguns geneticistas, já chegaram a determinar que não existe mais evolução na linha temporal do homem nessa Terra. Lieberman os desmentem, ao afirmar que essa caminhada é errática e muito sensível a fatores externos. Fica a ideia de que nosso padrão de vida atual, causará impactos em gerações futuras, bem futuras. Prova disso foi um estudo que apontou que 100 genes do DNA humano apresentam mudanças evolutivas de atitudes que homem começou a desenvolver há 10.000 anos!
Fomos projetados para sermos o oposto do que fazemos e somos atualmente. Trabalhar sentado no ar-condicionado, fast-food, alimentos ricos em açúcar e deficientes de fibras e vitaminas, são exemplos de como a vida moderna de hoje, poderá resultar em eras futuras. Somos mais inativos socialmente e fisicamente, do que em qualquer período da história evolutiva.
Em uma entrevista para a Revista Época, o autor estabelece que “Não evoluímos para ser saudáveis.”
O corpo foi se moldando para se estabelecer como uma estrutura arrojada, complexa e habilmente arquitetada que dispomos hoje.
Complicado elencar o que foi mais relevante durante a leitura d’A História do Corpo Humano. Um livro que pelo gênero, já se estabeleceu como uma das melhores leituras do ano.
site:
http://nerdpride.com.br/a-historia-do-corpo-humano