Lucilene 12/07/2012
Resenha crítica sobre a obra "Álbum de família" UPF Letras.
ÁLBUM DE FAMÍLIA
*Angélica Moi
**Lucilene de Menezes Pavoni
Resumo: A partir da leitura da obra Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, este artigo apresenta a análise do desnudamento do universo interior e as ações de uma família, em que os extremos do mesmo sentimento se fazem presente. Encarando o incesto como o impulso mais recôndito da natureza humana, exercício de autenticidade absoluta.
Palavras-chave: Modernismo. Família. Religião. Incesto.
Abstract: From a reading of Nelson Rodrigues` Family Album, this article presents the analysis of stripping the inner and the actions of a family in which the extremes of the same sentiments to do this. Facing the incest as the innermost impulse of human nature, the exercise of absolute authenticity.
Keywords: Modernism. Family. Religion. Incest.
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*Estudante do Curso de Letras da Universidade de Passo Fundo.
**Estudante do Curso de Letras da Universidade de Passo Fundo.
Introdução:
A obra Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, será abordada neste artigo com a função de estudo e pesquisa, analisando amor e ódio presentes na mesma família, religiosidade como ponto de fuga destes sentimentos e a dramaturgia dos três atos que compõem a obra. Na peça de Nelson uma das principais características é a ausência de metáforas, usando termos desprovidos de fantasia.
Em seu livro, Nelson aborda temas universais, que são ainda hoje, considerados tabus pela sociedade; além disso, expõe relatos de sua vida em forma de metáforas sociais.
1 Nelson Rodrigues o pioneiro do Modernismo Teatral
Nelson Rodrigues consagrou-se com a obra Vestido de Noiva, qual é considerada marco zero do modernismo teatral. Em 1945, o autor Nelson Rodrigues escreve a obra Álbum de Família, qual ele próprio aprofundando seu espírito crítico a denomina de “teatro desagradável”, Nelson denominou a peça desta maneira, por ter plena consciência de que a obra poderia leva-lô a qualquer caminho, menos ao êxito. O livro foi censurado pelo governo do general Eurico Gaspar Dutra, porém o dramaturgo não concordava com a censura de sua obra e isso era normalmente presenciado em barzinhos por amigos e críticos de Nelson que explicitava sua discórdia quanto à censura: “Mas como podem censurar? ‘Álbum de Família’ é uma peça bíblica. Então teriam que censurar também a Bíblia, que está varada de incesto.” (Nelson Rodrigues).
Nelson Rodrigues é considerado o dramaturgo que inovou e a linguagem cênica e instaurou a modernidade no teatro nacional, suas obras sempre sofreram comparações com as peças gregas por tratarem de assuntos como a explicação da natureza da alma humana. A obra foi escrita em um momento, no qual só haviam encenações de comédias e este é mais um motivo para a peça Álbum de Família ser considerada um símbolo de ruptura no teatro nacional, por este episódio o dramaturgo também foi comparado a Shakespeare.
[...] o autor inglês foi o responsável pela renovação do gênero dramático de seu tempo, aproximando sua literatura teatral da estética renascentista, ao propor a brutalidade humana como estopim das mazelas da sociedade e ao dar novo rumo a tragédia clássica. (Rodrigues, 2008, p. 23)
Nelson ainda aborda em sua obra temas universais (adultério, incesto, violência, homossexualidade, preconceito, prostituição e pedofilia) considerados tabus pela sociedade da época.
Muitas pessoas pegavam na prateleira a obra de Nelson por estarem procurando uma peça pronta, porém fracassavam na encenação por não praticarem uma leitura correta do drama, por isso é tido como um deus (ou um demônio) por muitos profissionais das artes cênicas. Em suas obras Nelson “agride” com a finalidade de expor questões que atormentam a sociedade.
2 Elementos da narrativa
Ao ler uma obra teatral, tem-se uma sequencia quase ininterrupta de diálogos, quase sem narrador e a cena é vista aos olhos do leitor, ele vive a cena. A cena o coloca a uma distância mínima de um discurso direto.
2.1 Tempo
Embora a obra tenha um tempo definido, de 1º de janeiro de 1900 a 1924 é considerada uma tragédia atemporal. O alvorecer do século representa simbolicamente o início da vida (Magaldi, 1981, p. 14-15). A obra escrita é ajustada ao público após quinze anos de getulismo, quando o general Eurico Gaspar Dutra assume o poder.
Além da censura do livro de Nelson, Dutra fecharia os cassinos; em 1947, o Partido Comunista; e pelos cinco anos seguintes, faria um governo de torcedor do Bonsucesso.
2.2 Espaço
O núcleo da história ocorre na fazenda de Jonas localizada “em S. Jonas, em S. José de Golgonhas, nome que parece fundir o Gólgota de Cristo e Congonhas, a cidade colonial que ostenta os profetas do Aleijadinho” (MAGALDI, 1981, p.15). Na fazenda a família de Jonas parece estar em um complexo egocêntrico, onde não há nenhum indivíduo capaz de parar com as ações brutais realizadas pela essência familiar. Também acontecem cenas em uma igrejinha, onde Glória vê a imagem do pai no lugar da imagem de Jesus e em um convento, no qual é abordada a questão do lesbianismo.
2.3 Enredo
A peça, Álbum de Família, é uma tragédia que conta a história do núcleo familiar do patriarca Jonas. Conforme Magaldi, há no enredo dois vetores dramáticos, definidos como o vetor próximo e o vetor distante.
O vetor próximo é a relação que Glória, filha mais nova de Jonas, mantêm com Tereza no internato que estudam. [...] Descoberta a relação, ambas são expulsas, e a volta de Glória para casa, como em tantas voltas de protagonistas em obras famosas (Agmenon e Hamlet, por exemplo), precipita os acontecimentos. (Magaldi, 1981, p.16)
O vetor distante baseia-se na relação incestuosa entre D. Senhorinha e Nonô. Este fato produz dois efeitos decisivos no desenrolar do drama, Nonô enlouquece e vai nu, rondar a casa da família e o segundo efeito é as atitudes de Jonas com sua esposa, desflorando meninas com idade entre 12 e 16 anos, as quais lembram sua filha Glória. Todas as atitudes de Jonas contra a esposa acontecem dentro da própria casa, tornando-se uma vingança permanente a D. Senhorinha.
Uma das meninas que Jonas teve relação sexual é percebida pelos leitores/ espectadores, por ficar gemendo durante as cenas, em um dos quartos da casa da fazenda. Seus gemidos são o resultado por estar grávida e não conseguir realizar o parto por ser ainda uma menina e não ter o corpo formado para isso. Jonas mesmo percebendo que a menina irá morrer, ainda é capaz de naquelas condições abusá-la pela última vez.
(Edmundo levanta-se. A porta do quarto abre-se e vem saindo Jonas, ao mesmo tempo que se houve a voz da mulher grávida, em maldições. DETALHE IMPORTANTE: Jonas vem apertando o cinto e só termina esta operação quando chega junto da esposa.)
MULHER GRÁVIDA (na voz grossa de sempre) – Miserável...
Tu me paga... (Rodrigues, 2004, p. 70-71)
Nelson propõe dois planos em sua obra, um deles é o que acontece na fazenda com a família de Jonas e Senhorinha, e o outro plano é o que o fotógrafo e o speaker estão. Eles, para o leitor/espectador, estão fora das ações escrupulosas da família, o fotógrafo os apresenta como se fossem uma família convencional “[...] O fotógrafo está em cena, tomando as providências técnico-artísticas que a pose requer. Esmera-se nessas providências, pinta o sete; ajeita o queixo de Senhorinha; implora um sorriso fotogênico. [...] (Rodrigues, 2004, p. 9) e o speaker assume nesta trama o papel de narrador, muitas vezes passando informações erradas ao público. “[...] NOTA IMPORTANTE: o mencionado speaker, além do mau gosto hediondo dos comentários, prima por oferecer informações erradas sobre a família”. (Rodrigues, 2004, p.9).
Percebe-se com isso que ambos estão alheios as atitudes da família, como se estivessem vendo um filme passar, e comentando sem o conhecimento que o leitor/espectador possui sobre os incestos que a família comete e tem vontade de cometer.
2.4 Personagens
Os componentes do grupo familiar, também convivem com Tia Rute, esta é a irmã solteirona de Senhorinha. A convivência entre todos é baseada entre amor e ódio, o que causa a concentração de vários tipos de incestos. Tia Rute é responsável por conseguir meninas entre 12 e 16 anos, para que Jonas possa satisfazer seu apetite sexual, (as ações de Jonas transformam o sexo em uma metáfora social, o estupro das classes pobres do Brasil), pois Jonas é apaixonado por sua filha Glória, que vive em um convento onde mantêm uma relação amorosa com Tereza, sua colega de quarto.
Teresa (sempre apaixonada) – Me beija?
(Glória beija na face, com certa frivolidade)
Teresa – Na boca!
(Beijam-se na boca; Teresa de uma forma absoluta.)
Teresa (agradecida) – Nunca nos beijamos na boca – é a primeira vez!
(RODRIGUES, 2004, p. 12)
Dona Senhorinha odeia sua filha, porém tem o amor incontestável de seus dois filhos, Edmundo e Nonô. Nonô o filho mais novo fica louco após ter relação sexual com a mãe e começa a viver como um animal nos arredores da fazenda. Edmundo marido de Heloísa, não consegue manter relações sexuais com a esposa por ser apaixonado pela mãe e acreditar que um filho nunca deveria sair do útero materno, em função desse amor o filho suicida-se. Guilherme que também é apaixonado por Glória vai para o seminário onde se mutila, volta para casa ao ficar sabendo que a irmã foi expulsa do convento, por lá manter relação amorosa, no encontro entre os dois eles acabam mortos pelo próprio Guilherme que após ter a recusa de Glória para que fugissem juntos, não consegue imaginar a irmã nos braços de seu pai.
Em função de todas essas ações, R. Magalhães Jr., alinhou os personagens como brutos, eróticos, anormais, tarados, digamos mesmo monstruosos, chafurdando na degradação e todos eles dominados por um pensamento único: o de continuarem se degradando.
3 Antecedentes
Na “luta” contra a proibição de sua peça, Nelson Rodrigues enfrentou muitos críticos, mas também teve a ajuda de nomes já consagrados como, Sérgio Milliet, Agripino Grieco, Rachel de Queiroz, Emil Faraht, Nelson Werneck Sodré, Waldemar Cavalcanti entre outros.
O escritor Álvaro Lins declarou em uma nota do jornal “Correio da Manhã”, considerar a obra vulgar, chula, primária, grosseira, um equívoco como tragédia e que preferia que a obra tivesse apenas uma cena de incesto, como em Édipo Rei, de Sófocles.
Em julho, quando viu que o veto seria mantido, Nelson publicou a peça em livro, em nome de uma misteriosa “Edições do povo” [...] Álbum de Família, que podia ser vista por platéias adultas, pagando ingressos, estava agora ao alcance de qualquer pessoa que soubesse ler. (Castro, 2004, p.197).
Por outro lado Manoel Bandeira não fez apenas elogios à obra, mas também ao próprio autor. “Nelson Rodrigues é poeta [...] o que mais me dana é não ter como ele esse dom divino de dar vida às criaturas da minha imaginação. (Castro, 2004, p. 160)
O poeta Ledo Ivo afirmou sua defesa ao amigo Nelson, dizendo que imoral não é a peça, mas a sua censura.
Para Sábato Magaldi, Álbum distingue-se como uma das obras mais ousadas e ambiciosas de Nelson e era natural que a peça despertasse grande celeuma a não fosse aceita por uma crítica inspirada nos modelos do bom gosto.
[...] A falta de cerimônia com a qual o incesto é tratado deve provocar a rejeição das sensibilidades menos afeitas ao exercício de autoconhecimento sincero. O horror de admitir o incesto estimula o horror pela própria peça.
Só pelas questões que levanta, Álbum de Família tem um lugar privilegiado em nossa dramaturgia. Que leitores e o público precisam reconhecer. (Magaldi, 2004, p.22)
Ruy Castro foi a fundo e pesquisou a história de vida de Nelson, construindo a bibliografia do dramaturgo, O Anjo Pornográfico. Para conseguir escrever a obra, Castro realizou centenas de entrevistas com 125 pessoas que conheceram intimamente Nelson Rodrigues e sua família. Elas o ajudaram a reconstituir essa assombrosa história, capaz de arrancar sorrisos e lágrimas. (Castro, 2004)
Com a vitória dos moralistas a peça Álbum de Família, escrita no final de 1945 e censurada em fevereiro de 1946, só foi liberada em dezembro de 1965, ocorrendo sua encenação apenas dois anos depois em 1967 no Teatro Jovem, no Rio de Janeiro.
4 Análise
Ao estudar a obra de Nelson Rodrigues, Álbum de Família, pode-se perceber o retrato de uma família que aborda em seu cotidiano o tema do adultério. Alguns dos fatos descritos por Nelson na peça são episódios que fizeram parte de sua vida, como por exemplo, a traição de seu avô que era aceita pela avó e o assassinato de seu irmão Roberto com um tiro na barriga.
Em seu primeiro ano de escola, Nelson ganhou um concurso de redação, onde o marido vê a esposa em seu quarto sobre a cama e um vulto pulando a janela. Em 1945, Nelson expõe esta cena ao público leitor e espectador da peça, Álbum de Família, onde é representada por D. Senhorinha e seu filho mais novo Nonô.
Na peça, as fotos da família têm um papel fundamental, pois além de representar uma família convencional, ajudam também no desenrolar dos fatos.
Com assuntos que sempre causaram espantos na sociedade, o dramaturgo sabia que a peça nunca o faria chegar ao sucesso, por isso se autodenominou como um escritor maldito, abordado já neste artigo, mas mais do que saber a maneira que escrevia, Nelson sabia o que escrevia, então além de se denominar autor maldito e fazer criticas à Bíblia, o dramaturgo também se denominou um Anjo Pornográfico. ”Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico.” (Nelson Rodrigues)
Nelson sempre sofreu muitas criticas, mas por outro lado conquistou admiradores tendo seu nome elevado por isso. Suas peças sempre causaram desconfiança, debates e muita curiosidade. Essa curiosidade era intrigante, contudo muitos estudiosos se detiveram em analisar suas obras e sua história de vida que também pode ser vista como uma verdadeira guerra.
A peça, Álbum de Família, aqui estudada é um marco de ruptura, pois ainda hoje causa discussões sobre os temas abordados em uma linguagem sem metáforas.
Conclusão
Este artigo procurou analisar a obra que é considerada o marco de ruptura do modernismo teatral. A obra abordada estuda a maneira de convívio de uma família, que parece ser a única existente no mundo, mostrando-se totalmente anti-convencional, pelos membros do núcleo familiar se relacionarem sexualmente.
Outro aspecto muito abordado na peça é a religião, onde se mostrou ligada aos patriarcas da família, tanto no nome, como em sua forma. Jonas relacionando-se com Jesus e D. Senhorinha sendo mostrada inferiormente a Nossa Senhora, pois não serve de modelo para ninguém.
A partir dessa obra, nota-se que o dramaturgo Nelson Rodrigues, consegue ainda hoje chocar sua platéia, por usar em sua obra assuntos capazes de modificar e representar uma sociedade em qualquer época e contexto social.
Referências:
CASTRO, Ruy. O Anjo Pornográfico. São Paulo: Companhia das Letras, 2ed
-2004.
MAGALDI, Sábato. Teatro completo de Nelson Rodrigues: Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981.
RODRIGUES, Nelson. Álbum de Família. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
RODRIGUES, Sérgio Manoel. Carnavalização e paródia em Álbum de Família, de Nelson Rodrigues. [artigo cientifico]. Disponível em Acesso em: 05 de outubro de 2010.