Aline Teodosio @leituras.da.aline 29/12/2018
Sobre os sentimentos primordiais humanos
Ambientado na Pré-história, Os Herdeiros narra a busca pela sobrevivência de uma tribo familiar de Neandertais numa ilha. Porém, em dado momento, eles descobrem que não estão lá sozinhos ao se depararem com uma outra tribo, mais evoluída, provavelmente os Homo Sapiens. Uns passam a observar com estranheza as diferenças culturais dos outros.
O livro é um verdadeiro assombro de imagens. A experiência visual proporcionada pelas descrições de Golding é deslumbrante. Parece que ele te joga no meio da floresta e você vivencia cheiros, sons, texturas, imagens. Sentimos um certo tipo de inocência do lado dos Neandertais, a forma como eles lidam com a morte, com o bando, com o meio em que vivem. Se por um lado os primitivos eram apenas coletores, por outro nos deparamos com as primeiras modificações da natureza ocasionadas pela ação humana.
Não é, entretanto, um livro totalmente fácil. A narrativa, embora acessível, é bastante descritiva, os capítulos são longos e, por isso, às vezes torna-se um pouco arrastada e truncada. Porém, ainda que os diálogos sejam simples para parecer o mais verosímil possível, as reflexões acerca do ser humano são complexas e profundas. Temos aqui um confronto ideológico entre os Neandertais e os Homo Sapiens. Percebemos claramente um choque cultural, o primitivismo raiz x o início da sagacidade. Golding, como antropólogo, mergulha fundo na formação do homem e na sua evolução. Perpassam nesta narrativa temas como o medo, o mal, a violência, a agressividade, dando ênfase aos sentimentos primordiais do ser humano.
O medo, sobretudo, pode ser considerado nesta obra o tema central. Medo do desconhecido. O medo do que o outro pode ser capaz. A forma como enxergamos o que não conhecemos. O medo como ação reativa. O medo como precaução. O medo para justificar a violência. O medo para combater o "mal".
E por falar em mal, o autor nos leva a refletir que o mal pode ser uma questão de perspectiva e que as pessoas podem ter várias facetas.
"As pessoas são como o lobo e o mel."
Ao mudar o foco da narrativa, somos tomados por uma espécie de susto que nos leva a questionar a perspectiva do outro. Eu, no entanto, acabo o livro com uma forte concepção que meu avô costumava sempre defender: humano é mau.
"Lok sentia-se seguro nas trevas, mas entendia como o poder daquelas pessoas era incomparável na claridade."
(William Golding, in: Os Herdeiros).