Cynthia 07/01/2012As horas nuasAs horas nuas, publicado pela primeira vez em 1989, é considerado um dos romances mais complexos e modernos da autora. Através de diferentes vozes e pontos de vista que aparecem definidos no início do romance, mas que ao longo da leitura vão se misturando à narrativa, Lygia Fagundes Telles conta a história de Rosa Ambrósio, uma atriz que se prepara para voltar ao palco, e seus pensamentos, devaneios e sentimentos que se misturam à crise da meia-idade e umas boas doses de whisky. Ao tentar falar de suas memória, que pretende chamar de "As horas nuas", a atriz desdobra em sua história o seu envolvimento com os três homens mais importantes de sua vida: Gregório, o marido de personalidade tranquila e ao mesmo tempo fechada, mas que despertava grande simpatia apesar do seu comportamento bastante misterioso após retornar da guerra e que deixa um enorme buraco na vida da atriz quando falece; Diogo, secretário e amante, com ar jovial e brincalhão, mas que a abandona por não conseguir encontrar espaço nos devaneios alcoólicos de Rosa; e Miguel, seu primo por quem se apaixonou na adolescência, mas que também, por consequência do destino (será?), a abandonou quando morreu ainda jovem. além de podermos conhecer um pouco mais da sua relação com a filha Cornélia, uma jovem interessada em velhotes, a empregada Dionísia e o gato Rahul, que divide o espaço da narrativa no romance e conta um pouco de suas vidas passadas, provavelmente um jogo de pensamento com a ideia de que o gato teria sete vidas ou mais.
Toda a leitura flui como o fluxo do pensamento, não apenas o que se passa na cabeça dos narradores, mas também os diálogos e as entrelinhas, tornando o formato da narrativa único e até mesmo aconchegante. A linguagem se torna mais próxima do que está em nossas cabeças e não apenas a coerência ordenada em frases que fazem sentido mais para a escrita do que para a oralidade. Por trás das palavras de Rosa Ambrósio, do gato Rahul e mesmo das outras vozes que vão surgindo ao longo da narrativa, é possível notar que não é apenas uma história que está sendo contada, mas também as entranhas da vida e do caráter que vão sendo carregadas junto com a maré de palavras, são desejos, memórias, lembranças, anseios, traições, esperança. Apesar do romance não ser baseado em grandes causas, mas sim nas características das pessoas em diversas formas de relacionamento (seja amizade, amor, carreira, família, terapia), o romance guarda nas entrelinhas uma forma de lembrar o/a leitor/a da existência de ideologias, como a participação de Gregório na guerra e a maneira como isso afetou seu comportamento e também a sua terapeuta, Ananta, uma moça que mora no mesmo prédio de Rosa Ambrósio, calada, sem muitos vícios ou fotos, feminista e engajada nas causas das mulheres e, ao mesmo tempo, quase invisível durante maior parte da narrativa.
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